NIC PIZZOLATTO TEM MESMO MOTIVOS PARA RECLAMAR PUBLICAMENTE DOS RUMOS DE TRUE DETECTIVE. Afinal, a quarta temporada, que chegou ao fim ontem na HBO, conseguiu números recordes de audiência e criou uma história envolvente do começo ao fim. Longe de ser perfeita, conseguiu pelo menos ser boa o suficiente para se afastar de quaisquer comparações com o primeiro ano comandado pelo ex-showrunner. Na condição de espectador, restou apenas falar besteira para tentar diminuir o trabalho de Issa López e fugir do anonimato.
True Detective s04e06 Part VI foi uma conclusão racional dentro das perguntas e mistérios sugeridos ao longo da temporada. Pode agradar e desagradar na mesma proporção, o que é subjetivo e válido de acordo com a experiência pessoal de cada espectador. Na minha percepção, de alguém que até hoje cultiva uma idolatria por Lost e The Leftovers, tenho uma inclinação para abraçar o desconhecido e aceitar que nem tudo precisa de respostas. True Detective se encerra com uma grande conclusão, mas sem deixar de criar novas perguntas.
O episódio começa com a dupla de policiais chegando na caverna para encontrar o cientista desaparecido. Preciso destacar que a queda de Liz está entre meus momentos favoritos da série. O timing cômico para mostrar a personagem dizendo para Navarro ter calma e segundos depois caindo no mesmo buraco é hilário. Porém, não é um episódio de humor. As coisas logo “esquentam” e vivemos momentos de tensão, como a tentativa de captura do cientista até a revelação sobre o que realmente aconteceu com Annie.
Paralelamente, o agente Prior se esforça para limpar a bagunça que fez. É engraçado que alguns veículos noticiaram comentários dos espectadores reclamando dos personagens masculinos. Na opinião dos “especialistas” (em reclamar), a quarta temporada de True Detective só tem homens fracos. É uma visão míope contaminada pelo machismo, que exige ver apenas um único padrão de homens. E também uma certa ignorância sobre hierarquia profissional, relacionamentos amorosos, familiares etc. Prior pai foi meu personagem predileto exatamente pelas suas imperfeições. Já seu filho tem um arco muito seco, exatamente como a vida. Ele viveu uma montanha russa de emoções, mas nada muda a sua realidade do momento.
Por último, mas não menos importante, a conclusão da investigação me deixou dividido. Se por um lado, eu teria sido um espectador muito mais realizado se prevalecesse o sobrenatural, por outro é até poético descobrir que tudo não passou de uma vingança elaborada. A temporada inteira mostrou essa pista com as manifestações contra o laboratório e suas pesquisas contaminando a água. Com a morte violenta de Annie, o sentimento de vingança é ainda mais justificado. Achei do caralho ver mulheres todas tocando o terror no laboratório e assustando os verdadeiros assassinos.
Mais interessante ainda é a construção da narrativa em que uma das responsáveis vai contando o que aconteceu. Liz e Navarro ficam cada vez mais cercadas e pressionadas, como se as outras mulheres estivessem dispostas a qualquer coisa para se protegerem. É uma encenação perfeita de um verdadeiro ambiente hostil em uma série que se passa inteiramente em um longo inverno.
Issa López ressuscitou a marca True Detective com um drama policial de primeiro nível, com personagens marcantes e imperfeitos, e uma dose de mistério muito bem construída. Entendo quem critique o encerramento pelas suas decisões, mas isso não diminui em nada a qualidade da jornada para chegarmos até seu fim. Para a tristeza de Pizzolatto e seus fãs.
O epílogo mostra Danvers em um debriefing da sua investigação que remete diretamente à primeira temporada e as entrevistas com os personagens de Woody Harrelson e Matthew McConaughey. O destino de Navarro é um tanto ambíguo, mas também faz eco dos anseios e desejos de Rust (McConaughey). A gente sempre viu nele um potencial suicida, um cara cansado de lutar pelo bem e de buscar sua paz interior. Navarro faz o que Rust não conseguiu fazer na série: se libertou. Seja lá o que isso signifique para você.