Quando você acha que Tyler Perry já usou todos os arquétipos possíveis em dramas e thrillers com reviravoltas que dariam nó em roteiro de novela mexicana, Duplicity chega como quem não quer nada… e entrega tudo. E mais um pouco. A pergunta que todo mundo tá fazendo — “Mas é baseado numa história real?” — é respondida com um sonoro “não” que ecoa com a sutileza de uma martelada de juiz de tribunal.
Sim, meus caros: Marley Wells, a advogada brilhante com mais dilemas morais que reunião de condomínio, é tão fictícia quanto a humildade do Elon Musk. A história nasceu da mente incansável (e um pouco maquiavélica) de Perry, que escreveu e dirigiu o filme com a intenção de explorar não só o racismo sistêmico e a brutalidade policial — temas que infelizmente dispensam ficção — mas também a hipocrisia gourmet de quem lucra com a dor alheia. Um brinde amargo ao capitalismo emocional.
Segundo reportagem da The Cinemaholic, Perry admitiu que o episódio do assassinato de Rodney Blackburn, que desencadeia a trama, foi difícil até pra ele escrever — e olha que esse é o cara que transformou Madea em ícone cultural. Ele optou por não basear a história em nenhuma vítima real justamente por respeito à gravidade do tema. Em outras palavras: “Deixa que eu minto do zero, que é mais seguro.” Fonte: Diksha Sundriyal, The Cinemaholic, 20 de março de 2025.
A mentira é bem contada, mas a mensagem é real
O lance aqui é o seguinte: Perry não quer que você apenas assista Duplicity com um baldão de pipoca e a sobrancelha arqueada a cada plot twist. Ele quer que você pense. Tipo aquele momento em que você percebe que confiou na pessoa errada, mas já emprestou dinheiro — ou pior, o login da Netflix.
A trama gira em torno da Marley, que decide processar a cidade pela morte de Rodney, seu amigo de infância, assassinado por um policial branco. Mas conforme ela mergulha no caso, descobre que o buraco é mais fundo do que a pauta de reuniões do STF. E claro, as pessoas ao redor dela não são exatamente o que parecem. Nessa história, todo mundo tem seu pequeno segredo e sua grande cara de pau.
Tyler Perry quis, sim, fazer um thriller no estilo anos 80 e 90, daqueles que deixam a gente paranoico até com o entregador do iFood. Mas ele também queria cutucar a ferida — ou melhor, arrancar o curativo mal colocado que cobre os problemas reais do sistema de justiça e da tal “verdade conveniente”.
Marley Wells: advogada fictícia, mas drama muito real
Se você estava pronto para jogar o nome de Marley Wells no Google e stalkear seu LinkedIn, pode fechar a aba. Ela não existe. Nunca existiu. E se existisse, provavelmente estaria processando metade do elenco. Perry a criou como símbolo: de ética, de dúvida, e de como até as melhores intenções podem virar combustível para a máquina da desgraça.
A moral da história? Nem tudo é o que parece. Especialmente quando o trailer é bom demais pra ser verdade. Perry acerta ao trazer o debate sobre o uso cínico de movimentos sociais e questões raciais como moeda de troca no showbiz. Mas claro, sem esquecer de nos entreter com doses cavalares de reviravoltas e atuações que misturam “Prêmio Emmy” com “eu vi isso numa novela das oito”.
Duplicity pode não ser real, mas a sensação de estar sendo enganado por todo mundo à sua volta… essa sim, é universal. E Tyler Perry, mais uma vez, prova que sabe brincar com a linha entre realidade e ficção com a mesma delicadeza de um rinoceronte de salto agulha.