EM UM ANO REPLETO DE SUPER-HERÓIS NO CINEMA, foram os supervilões que acabaram decepcionando. Ter o nome no título não tornou Electro e Soldado Invernal antagonistas especialmente marcantes em O Espetacular Homem-Aranha 2 – A Ameaça de Electro e Capitão América 2 – O Soldado Invernal. Guardiões da Galáxia se mostrou um dos longas mais divertidos do ano, mas seus vilões (quem eram, mesmo?) foram totalmente ofuscados por Groot e companhia.
Em compensação, não faltaram memoráveis performances malignas em outros gêneros, do terror à animação, e é com orgulho que o Cinema de Buteco apresenta sua primeira lista anual dos melhores vilões do ano. Confira e não se esqueça de comentar: pra você, quem merece o pódio?
Aviso: se você ainda não viu Garota Exemplar, melhor evitar o último parágrafo.
Annabelle – Annabelle
Em Invocação do Mal, a boneca Annabelle havia roubado a cena e deixado o público com as orelhas em pé. Unhas arrepiadas. Travados e sem ar. Todo esse sucesso, claro, não podia deixar de resultar num spin-off dedicado especialmente à boneca demoníaca. Ao contrário de Chucky, o Brinquedo Assassino, a boneca Annabelle não possui uma personalidade ou fica andando e falando com suas vítimas. Esse é justamente o ponto mais importante para amedrontar o público: Annabelle é uma boneca possuída. Existe uma entidade sobrenatural que a acompanha e a utiliza como ferramenta para conseguir cumprir seus objetivos malignos. Se é a vilã do ano, não podemos afirmar categoricamente, mas que merece uma atenção especial, ah, isso ela merece! – Tullio Dias
Ava (Eva Green) – Sin City: A Dama Fatal
Eva Green, la femme fatale française. Uma atriz que é muito mais do que uma boa vilã e deveria ter mais oportunidades de mostrar isso, mas a qual nós adoramos assistir em papéis do tipo. Em Sin City: A Dama Fatal, nós já sabemos que ela poderia ter uma função maligna desde o início e, quando seus olhos vão do preto e branco para verdes intensos, o filme fica ainda mais atraente. Vamos ser sinceros aqui: como não se seduzir pelo charme de Green, seu olhar fatal (não é à toa que ela é a dama fatal do título) e sua interpretação avassaladora? Uma vilã que adoramos ver, até quando tem o fim merecido por suas atitudes cruéis. – Dani Pacheco
Rosa (Leandra Leal) – O Lobo Atrás da Porta
Rosa é nome bonito, né? Lembra uma paródia mal feita de Quadrilha, do itabirano Drummond: Rosa lembra flor, que lembra perfume, que lembra amor, que lembra desejo, que lembra ciúme, que lembra traição – numa história barranco abaixo que esconde o nome bonito mesmo: rosa. Pelo menos, é assim que funciona no thriller O Lobo Atrás da Porta, longa nacional em que encontramos, na delicadeza da (dona do filme) Leandra Monstruosa Leal, uma Rosa-quase-de-Hiroshima, tamanho o impacto de sua vereda emocional, de suas explosões nagasáquicas. Verdade é que o nome da Rosa (inevitável trocadilho) esconde os espinhos de Rosa. É justamente por entre a folhagem, as sensações sugeridas, troca curta de olhares que surgem as vibrações tão abruptas – e o mal-estar consequente – que o longa soca nos estômagos. E é Rosa que, muda, telepática, carrega nas costas a medida da transgressão exata da covardia humana: ela se (nos) constrói entre a vilania e o martírio; entre a hipocrisia e a obsessão; entre a moral e a moralidade. Bonito, hein, Rosa?! Muito bonito… – Raphael Katyara
Drago Bludvist – Como Treinar Seu Dragão 2
Drago Bludvist é um perigoso caçador de dragões que ignora qualquer tentativa de diálogo para resolver os problemas racionalmente, muito por causa do seu passado com a família do protagonista Soluço. A primorosa construção em torno do citado vilão permeia todas as vertentes do longa, que sempre preocupa-se com a construção emocional acerca do peso de cada ação. O conflito entre Drago e o protagonista, por exemplo, não envolve apenas a fúria do caçador sobre os dragões, mas relaciona-se, também, com o fato de ele e Stoico terem sido velhos conhecidos no passado. – Leonardo Lopes
Russell (Sam Sheppard) – Cold in July
No thriller Cold in July assistimos a uma trama de vingança. Assim como o ditado que diz que a vingança é um prato que se come frio, o longa-metragem é conduzido lentamente e seus melhores momentos envolvem justamente a presença de Russell, personagem de Sam Sheppard. Após ter o filho assassinado pelo protagonista, Russell passa a buscar uma maneira de se vingar. Com sua frieza e atos friamente calculados, Russell deixa o espectador com frio na espinha e cresce à medida que o roteiro se desenvolve e vamos descobrindo que nada é exatamente da maneira como parecia ser. – Tullio Dias
Frederico (Selton Mello) – Trash: A Esperança Vem do Lixo
Quando um artista que nunca fez ou que raramente faz papéis de vilões aparece como antagonista, nós sofremos um baque. Normal. Como o vemos de maneira diferente, a tendência é termos uma reação positiva, especialmente quanto temos um personagem frio e problemático.
Selton Mello é um dos principais atores e diretores brasileiros. Sempre soube que ele era um ator de qualidade, mas devo dizer que, em Trash, ele me surpreendeu como o policial Frederico. Seu olhar indiferente e extrema calma em momentos tensos nos deixa completamente aterrorizados e com medo de sua atitude seguinte. Ele é imprevisível.
Nas cenas em que Raphael é torturado em um carro em movimento e ele ouve música clássica no veículo de trás, e que descobre o envolvimento de Olivia com os garotos e vasculha a bolsa dela lentamente, Mello dá uma performance sensacional.
Frio e calculista, Frederico mereceu mais espaço no filme de Stephen Daldry. Um vilão que com certeza coloca medo nos expectadores. – Dani Pacheco
Jopling (Willem Dafoe) – O Grande Hotel Budapeste
Willem Dafoe constrói com perfeição tudo o que se espera de um vilão do Cinema de Wes Anderson: um sujeito caricaturalmente ameaçador.
Seu Jopling é traiçoeiro, escondendo, por trás de um semblante macabramente cômico e movimentos caricatos, alguém que executa notáveis crueldades para defender os interesses gananciosos da família a quem representa – ele é uma espécie de capataz –, o que significa opor-se justamente à jornada do protagonista, Gustave (Ralph Fiennes) – e as excelentes performances de ambos tornam este embate delicioso.
Para contribuir com a construção desta personalidade traiçoeira, Dafoe jamais torna-se central na trama, até mesmo visualmente – suas principais ações são executadas em segundo plano, nos cantos da projeção –, e ainda assim, Jopling protagoniza a provável cena mais engraçada do longa, envolvendo o assassinato de um gato, o que significa muito para um dos melhores vilões que o Cinema nos trouxe em 2014. – Leonardo Lopes
Lorde Negócius – Uma Aventura Lego
Ele é mau. Ele é feio. Ele não acredita em magos (na verdade, ele lhes chuta as bundas). Ele é capitalista-selvagem-de-terno-e-gravata. Seu nome inspira terror nas crianças desavisadas. Ele é… Lorde Negócius! – o que é meio louco, já que se trata de um nome bem ridículo pra um vilão serião como esse de Uma Aventura Lego. Dublado pelo multifacetado Will Ferrell (no original, claro), Negócius é uma das batutices do longa, que surpreendeu deus-e-o-mundo pela inventividade e doçura como trata seus temas – e principalmente pelo final tão… inesperado. Sem entregar o ouro, preciosíssimo, o plot twist revela aquilo que, de fato, é o trunfo do filme: a compreensão da infância e da imaginação em sua mais pura forma. Nesse sentido, Negócius é o vilão que adultos deveriam odiar se tornar; que o olhar infantil, certamente, repudia com asco; e, provavelmente, o vilão que nem o Batman seria capaz de combater – sim, Negócius é o vilão de que Legolândia precisa, não o que ela merece. Por isso é que devemos caçá-lo: porque ele existe e vive aparecendo por aí, sem máscaras e sem escrúpulos. Booo, Lorde Negócius. Shame on you! – Raphael Katyara
Koba – O Planeta dos Macacos: O Confronto
A continuação da prequel de O Planeta dos Macacos prova que determinadas pessoas (ou macacos) não mudam a sua essência mesmo quando conseguem confiança, respeito e atenção. Desde seu primeiro momento no filme anterior, Koba apresentou muito ódio pelos humanos. Ao lado de Caesar, ele tentou ser diferente e conter sua fúria depois de acreditar que os macacos haviam finalmente subjugado os humanos. Porém, em O Confronto, Koba vai ficando cada vez mais insatisfeito com seu líder e elabora um plano digno de O Rei Leão para acabar com Caesar e se tornar o novo líder do grupo. Cego de raiva pelos humanos, Koba trai a confiança de seu antigo amigo e volta sua raiva contra os humanos em ações que desencadeiam uma verdadeira guerra. Detalhe para o momento em que Koba age exatamente como um macaquinho de zoológico para enganar uma dupla de paspalhos. – Tullio Dias
Edwin Epps (Michael Fassbender) – 12 Anos de Escravidão & Magneto (Michael Fassbender) – X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido
Michael Fassbender é aquele tipo de ator que, em qualquer performance, faz um trabalho de alto nível. Sempre. Ele pode ter conquistado o mundo com Shame, em 2011, mas em Bastardos Inglórios, Fome e Aquário já havia mostrado que tinha um talento único. Em 2014, ele provou, pela milésima vez, o quanto é capaz de nos tocar com suas atuações, seja com olhares, seja com o jogo corporal ou com o modo de falar.
No drama 12 Anos de Escravidão, sua terceira parceria com Steve McQueen, Fassbender aterroriza como o vilão Edwin Epps, aquele personagem que você tem vontade de estrangular enquanto assiste às suas maldades. Ele maltrata e espanca escravos, especialmente a jovem interpretada por Lupita Nyong’o. O ator até chegou a desmaiar na gravação de uma cena de estupro, em função de seu intenso envolvimento físico e psicológico com o papel.
Em X-Men: Dias de um Futuro Esquecido, ele aparece novamente como Magneto, três anos após X-Men: Primeira Classe. O que fez dele a escolha perfeita para o papel não foi apenas a semelhança física com Ian McKellen, mas sua habilidade inconfundível em dar vida a personagens complexos e que dividem o espectador. É o típico vilão que, mesmo sendo radical em relação ao mundo – neste caso em relação à aceitação dos mutantes entres os seres humanos –, consegue nos fazer compreender suas ações de alguma forma. No fim das contas, o homem não é tão mau assim, é apenas agressivo e impulsivo demais na hora de agir. Magneto é uma boa pessoa e permanece com os X-Men até o fim, como o filme ilustra no futuro.
E não fica por aí. Ano que vem, Fassbender provavelmente vai aparecer nesta lista mais uma vez, só que como Macbeth, em nova adaptação da peça de William Shakespeare, dirigida por Justin Kurzel (Snowtown). – Dani Pacheco
Bônus: Garota Exemplar (não leia antes de ver o filme)
O amor é brutal. O casamento pode ser ainda pior. Em um ano recheado de vilões memoráveis, Amy (Rosamund Pike) conseguiu se garantir como a ameaça mais assustadora e perigosa de 2014. Na adaptação do best-seller dirigida por David Fincher, temos uma psicopata manipuladora e inteligente que se cansa da vida com o marido e decide orquestrar uma vingança épica depois de descobrir que ele está tendo um caso. Assim como Beatrixx Kiddo, de Kill Bill, Amy não poupa esforços para conseguir o seu objetivo de destruir a vida do marido. O grande mérito de sua personagem é que somos levados a acreditar que ela é a vítima durante metade do filme. Somente após uma revelação surpreendente é que descobrimos a verdadeira natureza de Amy. Seu plano perfeito e seus atos friamente calculados criaram um medo imenso no inconsciente de cada espectador, independente do sexo. A possibilidade de encontrarmos um psicopata do amor/posse é real e Garota Exemplar retrata isso perfeitamente. – Tullio Dias