Depois de comentar os 39 filmes que vi em janeiro, continuo a minha coluna com breves impressões sobre todos os longas assistidos no segundo mês do ano. A maioria eu nunca havia visto antes, mas as revisões estão assinaladas com um (*). Aqui estão eles:
40- Entrevista com o Vampiro: Tem boas sacadas, mas o melodrama, os diálogos pomposos e a narrativa episódica me fizeram lembrar outro filme que Brad Pitt estrelaria anos depois, O Curioso Caso de Benjamin Button — que também não acho grandes coisas.
41- Anomalisa: Um stop-motion mais realista do que muito filme de carne-e-osso, junto com toda a esquisitice que é marca registrada de Charlie Kaufman e bastante espaço para interpretações. Presença garantida na nossa lista de Melhores Animações de 2016.
42- Ernest & Celestine: Animação de traços simples, cores de aquarela, um mundo dividido entre apenas duas espécies (ursos e ratos, cada um com sua civilização, profissões e costumes próprios), e uma história simpática de amizade entre um urso e uma rata que acabam se tornando fugitivos. Concorreu ao Oscar em 2014 e perdeu injustamente — fico com a impressão de que se os membros da Academia realmente assistissem aos cinco indicados, não votariam todos no superestimado Frozen.
43- M, o Vampiro de Düsseldorf: O título brasileiro engana: o personagem-título não é um novo Nosferatu, mas um assassino de crianças, caçado não só pela polícia como também por outros criminosos (a montagem, aliás, cria transições elegantes entre as cenas com diferentes lados da lei). O ritmo é lento para os padrões atuais, sem muita música ou efeitos sonoros, e a falta de um personagem principal pode causar estranheza. E daí? Este clássico de Fritz Lang é obrigatório para qualquer cinéfilo e estará em destaque numa lista especial que lançaremos em breve no Cinema de Buteco. Aguardem!
44- O Babadook: Não é o “filme mais assustador do mundo” como disse William Friedkin, mas esse terror psicológico sobre família e bichos-papões é realmente um dos melhores filmes do gênero que vi nos últimos anos.
45- Top Gun – Ases Indomáveis: Minha esposa já tinha visto Top Gun 14 vezes e meia quando adolescente, e eu nunca. Foi bem divertido assistirmos juntos, e breguices à parte, o filme ainda funciona e entretém. “You’ve lost that looooving feeeeling… Whoa, that loooving feeeling…”
46- Top Gang – Ases Muito Loucos: O filme ideal para se fazer uma sessão dupla com Top Gun, mas acho que Jim Abrahams já acertou mais em Apertem os Cintos e Top Secret!: aqui há boas gags, que usam o filme de Tony Scott como base mas referenciam até O Poderoso Chefão, mas a proporção piada boa/piada fraca não é lá muito favorável.
47- O Quarto de Jack: O último que me faltava dos 8 indicados a Melhor Filme, é um drama calcado em duas atuações incríveis (torço para uma carreira de sucesso para o garotinho Jacob Tremblay) e uma direção que trabalha confinamento, tensão e readaptação com bastante eficácia. Fiquei com a impressão de que o filme se alonga mais do que o esperado após uma certa reviravolta, mas nada que prejudique a obra.
48- Faroeste Caboclo: Quando decorei a letra da música aos 14 anos, como todos os meus colegas de oitava série, sempre imaginava como seria uma versão cinematográfica. Quando comecei a assistir, me peguei pensando nos detalhes da letra que faltavam (“Cadê o Santo Cristo roubando o dinheiro que as velhinhas colocavam na caixinha do altar?”), mas quando João começa a interagir com Maria Lúcia e Jeremias, a química entre os três funciona bastante e o filme me ganhou — e nem me incomodaram algumas liberdades criativas (nada de “câmeras ou a gente da TV que filmava tudo ali” na cena final). Com um protagonista pouco loquaz, bela fotografia e duelo à la Leone no final, é um faroeste tupiniquim pra ninguém botar defeito.
49- Os Oito Odiados: Valeu a pena assistir em 70mm no cinema, com cadeiras confortáveis e experiência completa (inclusive uma “Intermission” planejada pelo diretor, e não uma pausa abrupta no meio de uma cena, como fazem muitas vezes em filmes longos nos cinemas de Berlim). A primeira metade é mais lenta e a coisa demora um pouco para engrenar, mas a segunda metade é Tarantino puro (diálogos, sangue, nojeiras, reviravoltas), e com uma trilha marcante de Morricone (é raro eu sair do cinema cantarolando uma música-tema como aconteceu aqui). Os Oito Odiados não é nada de muito diferente na carreira de Tarantino e está longe de ser o seu melhor, mas tampouco faz feio.
50- The Lobster: O novo filme de Yorgos Lanthimos, cineasta grego responsável por Dente Canino (o melhor filme que vi em janeiro), conta desta vez com muitos rostos conhecidos (Colin Farrell, Rachel Weisz, John C. Reilly) e uma trama, digamos, pouco ortodoxa: as pessoas solteiras (ou que acabaram de se separar) são enviadas a um hotel e têm 45 dias para encontrar um novo par — caso contrário, serão transformadas no animal de sua preferência. É um conceito absurdo que vai ficando cada vez mais estranho, e sempre fascinante de se assistir. Aguardo ansiosamente pelo que Lanthimos nos apresentará da próxima vez.
51- O Garoto de Liverpool (*): Estou lendo uma excelente e extremamente detalhada biografia sobre os Beatles (All These Years Vol 1 – Tune In, de Mark Lewisohn) e resolvi rever este filme sobre a juventude de John Lennon, sua relação com a mãe e a tia e o início dos Quarrymen. Há simplificações e inexatidões históricas, mas é um competente drama familiar sobre uma infância/juventude difícil.
52- Dirty Dancing – Ritmo Quente: Não é lá grandes coisas, mas funciona como entretenimento bacana, com seu clima de férias e boa trilha do início dos anos 60. O que destoa é justamente a música-tema, “(I’ve Had) The Time of My Life”, que é anos 80 demais para fazer sentido num filme que se passa em 1963.
53- Quatro Casamentos e Um Funeral: Com uma estrutura evidenciada pelo título onde revemos os mesmos personagens a cada tantos meses, é uma comédia romântica sem muita pieguice e certamente o meu filme favorito de Richard Curtis (aqui, apenas no roteiro), que também assinou os superestimados Notting Hill, Simplesmente Amor e Questão de Tempo.
54- Extracted: Um cientista cria uma forma de entrar nas memórias das pessoas e acaba ficando preso na mente de um criminoso. Um sci-fi não precia de efeitos visuais modernos e elenco conhecido para funcionar, e a prova é este filme de baixo orçamento com seu interessante conceito inceptioniano.
55- Kate Plays Christine: Primeiro dos três filmes que vi na Berlinale 2016, é um documentário sobre uma atriz (a Kate Lyn Sheil do título) se preparando para interpretar uma repórter que se matou ao vivo nos anos 70. Misturando ficção e não-ficção, é um filme intrigante que leva o próprio espectador a se fazer questionamentos no final.
56- Virgem Margarida: Começando a pesquisa para o próximo artigo da minha coluna Buteco Pelo Mundo, que — revelando para vocês em primeira mão — tratará do cinema de Moçambique, este filme de Licínio Azevedo ficcionaliza a história de prostitutas que foram levadas a um “campo de reeducação” após a independência de Moçambique nos anos 70 e mistura drama e momentos de humor com um elenco competente formado quase totalmente por atrizes iniciantes.
57- As Grandes Férias: John Candy e Dan Aykroyd em uma comédia sessão-tardina sobre uma família de férias, com roteiro de John Hughes? Parecia promissor, mas são raros os momentos engraçados.
58- Deadpool: Dos créditos iniciais zoados à referência final a Curtindo a Vida Adoidado, o filme quebra a quarta parede (“McAvoy ou Stewart?”), tira sarro de tudo e todos (a começar por seu ator principal) e faz da metalinguagem um diferencial mais que bem-vindo aos já cansados filmes de super-heróis. Ryan Reynolds, você está perdoado.
59- The Commune: Segundo filme que vi na Berlinale, o novo de Thomas Vinterberg é sobre um casal que resolve transformar a sua casa numa “república” de adultos nos anos 70. O que começa como comédia não tarda a virar drama — como muita história real de amigos morando juntos que vemos por aí.
60- Morte em Sarajevo: O terceiro e último filme que vi na Berlinale se passa em um hotel na capital bósnia durante o centenário do assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando que desencadeou a Primeira Guerra. Há muitas situações interessantes, e que parecem servir de metáfora para a Europa de hoje e de então (a começar pelo nome do lugar, “Hotel Europa”), mas o filme parece gastar 70 minutos apresentando personagens e subtramas para depois terminar tudo correndo. O sujeito alto na minha frente, que me forçava a fazer contorcionismo para ler as legendas no praticamente plano Haus der Berliner Festspiele, tampouco ajudou na minha experiência.
61- Terra Sonâmbula: Mais um de Moçambique, este filme de Teresa Prata (baseado em um famoso romance de Mia Couto) lembra outra obra lançada na mesma época, Na Natureza Selvagem: mas em vez de um americano de classe média que escolhe ser ermitão, aqui temos um menino e seu pai adotivo que são forçados a zanzar por aí por conta da guerra civil que assolou o país. Há até um ônibus abandonado que os protagonistas escolhem como abrigo — mas aqui cheio de cadáveres queimados, numa das muitas situações arrepiantes deste ótimo filme.
62- Carol: Romance sem melodrama bastante eficaz, que poderia fácil ter ocupado o lugar de algum dos indicados a Melhor Filme (estou olhando pra você, A Grande Aposta).
63- Descompensada: Simpática comédia romântica com uma protagonista desbocada e caótica e boas participações especiais (de astros do basquete a uma Tilda Swinton irreconhecível). A duração de 2 horas é excessiva — como de praxe nos filmes de Judd Apatow —, mas coloco Descompensada ali com Ligeiramente Grávidos, como meus filmes favoritos do diretor.
64- Harry e Sally – Feitos Um Para o Outro (*): Falando em comédia romântica, poucas superam este clássico do gênero. Recomendo também a sequência/paródia do Funny Or Die, com Billy Crystal e Helen Mirren.
65- A Separação: Um drama doméstico em que um pedido de divórcio desencadeia uma série de problemas imprevisíveis, este filme iraniano arrebatou todos os prêmios possíveis (inclusive o Oscar e o Urso de Ouro) com justiça.
66- New York, New York: Dizem que os diálogos foram todos improvisados, mas com Robert De Niro e Liza Minnelli a gente nem se importa tanto. É um dos filmes de Scorsese que ele próprio menos gosta, e dá pra sentir que falta foco, mas mesmo um Scorsese menor ainda é um Scorsese. E era só eu que não sabia que a clássica “New York, New York” havia sido composta especialmente para este filme?