O DIA 17 DE MARÇO PODE SER MAIS LEMBRADO como uma boa desculpa anual para se empanturrar de cerveja irlandesa por conta do Saint Patrick’s Day, mas há outro alimento famoso (sim, porque Guinness é praticamente pão líquido) que celebra hoje no Brasil uma data comemorativa só sua: acredite se quiser, hoje é o Dia Nacional do Mel.
Nosso tributo a esse líquido viscoso e açucarado, que vai bem com frutas, guloseimas e principalmente cachaça, se estende também aos insetos que o produzem e com os quais temos uma eterna relação de amor e ódio: usamos o produto das abelhas sem pudor, ao mesmo tempo que tememos seus ferrões e as retratamos na ficção como ameaças terríveis ou, no mínimo, bichinhos irritantes. O cinema pode ser quase sempre cruel com as abelhas, mas aqui no Cinema de Buteco elas merecem nossa justa homenagem.
Winnie the Pooh (2011)
Embora mal lançado nos cinemas e notoriamente direcionado para crianças bem pequenas, Winnie the Pooh (que, sabe-se lá o porquê, não teve o título traduzido no Brasil) é um filme doce, que foi vendido como um retorno às origens do universo criado por A. A. Milne e merece nota pela coragem de tentar conquistar seu espaço em meio à supremacia esmagadora das animações computadorizadas em 3D.
No filme, o personagem-título precisa sair de casa para renovar seu estoque de mel e, em meio a problemas particulares de seus amigos, enfrenta dificuldades para encontrar provisões da substância viscosa – e, em abstinência, cai em delírios que dão origem a um dos bacaninhas números musicais da produção. O preciosismo técnico e o humor ingênuo são suficientes para que o longa não seja completamente ignorado.
Eduardo Monteiro
Bee Movie – A História de uma Abelha (2007)
O maior problema das primeiras temporadas de Seinfeld é o próprio Jerry Seinfeld: com seus números de stand-up medíocres e suas gritantes limitações como ator, o comediante sequer conseguia esconder o deslumbramento com o próprio texto ao sair do personagem e rir diversas vezes em momentos inoportunos, e só chegou a uma composição aceitável e eficaz após um punhado de temporadas. Assim, embora tenha melhorado com o passar do tempo, só consigo atribuir o sucesso estrondoso da sitcom a circunstâncias alheias (como sorte, por exemplo) e aos demais envolvidos no projeto, como os divertidíssimos Michael Richards e Julia Louis-Dreyfus.
Aliás, a participação de Seinfeld nesse sucesso é tão duvidoso que o comediante nunca mais conseguiu emplacar um projeto que realmente vingasse ou agradasse a audiência de forma notável. A animação Bee Movie – A História de uma Abelha é um deles: escrito, produzido e dublado por Jerry Seinfeld, o filme tenta florear e fazer graça com a natureza e o dia-a-dia de abelhas e acaba se perdendo quando seu protagonista sai da colmeia, se envolve com uma mulher e decide processar a humanidade pelo uso indevido do mel que sua comunidade produz. Absurdo demais, eficaz de menos.
Eduardo Monteiro
The Adventures of André & Wally B. (1984)
Uma animação de apenas 2 minutos sobre um sujeito que acorda na floresta e se vê perseguido por uma abelha inconveniente, The Adventures of André & Wally B. tem uma historinha besta e pode não parecer nada especial, mas poucos curtas são mais importantes para a história da animação das últimas décadas.
Primeiro, pelo pioneirismo de utilizar uma técnica que ainda engatinhava nos anos 80: a animação computadorizada. Segundo, por ser a primeira vez que um certo jovem animador trabalhou com essa técnica. O nome dele era John Lasseter e, pouco mais de uma década depois, ele dirigiria Toy Story e entraria para a história do cinema. E terceiro, por ter sido o primeiro curta produzido pela divisão de animação da Lucasfilm, a mesma equipe que se tornaria uma empresa distinta pouco tempo depois, sob o nome Pixar. E tudo começou com a fúria de uma abelha.
Lucas Paio
Mogli – O Menino Lobo (1967)
Mogli é um dos meus filmes favoritos da Disney, e um dos principais motivos para eu gostar tanto da obra é o urso Baloo, que ensina diversas coisas para o garoto em uma sequência musical fenomenal. É impossível não ficar cantarolando “Necessário / Somente o necessário / O extraordinário é demais” após ver o filme. E é justamente nessa sequência musical que são citadas abelhas e mel: primeiro o Baloo fala que as abelhas farão o mel para ele se alimentar, e logo depois ele comenta que não é uma boa ideia trabalhar tanto quanto as abelhas.
João Golin
A Ilha Misteriosa (1961)
Baseado no livro de Júlio Verne (uma continuação do famoso Vinte Mil Léguas Submarinas), A Ilha Misteriosa traz um grupo de viajantes perdidos em uma ilha habitada por plantas e animais gigantes. Ou seja: um prato cheio para que o mestre do stop-motion, Ray Harryhausen, pudesse exibir suas habilidades em dar vida a criaturas monstruosas. E tome caranguejo gigante, pássaro enorme e, claro, as imensas abelhas que tornaram merecida a inclusão do filme em nossa lista. A cena em questão coloca o casal de protagonistas presos dentro de uma colmeia colossal por uma abelhona que tapa a entrada com maestria e sem misericórdia:
Lucas Paio
Querida, Encolhi as Crianças (1989)
Ninguém viu o jardim de casa da mesma forma depois de Querida, Encolhi as Crianças. Sob uma graminha pacata e inofensiva, quem diria, escondia-se um mundo tão hostil e imprevisível quanto o de A Ilha Misteriosa. Apesar das fracas continuções, este primeiro filme – que tem o sumido Rick Moranis como o atrapalhado gênio da ciência que encolhe os próprios filhos com uma geringonça caseira que certamente merecia o Nobel – permanece um entretenimento bem divertido e com efeitos especiais que, embora datados, funcionam até hoje. E uma das cenas mais marcantes do longa envolve duas das crianças encolhidas voando justamente na cacunda de uma abelha, num passeio mais eletrizante do que qualquer montanha-russa.
Lucas Paio
Meu Primeiro Amor (1991)
Para a geração dos anos 90 que cresceu assistindo à Sessão da Tarde, este talvez seja um daqueles filmes considerados “essenciais”. Todos já se emocionaram com a história de Vada (Anna Chlumsky): garota solitária, órfã de mãe e filha de um agente funerário, vive os problemas típicos do início da adolescência. Junto com seu amigo, o impopular Thomas J. Sennet (Macaulay Culkin), acompanhamos as aventuras de verão de Vada onde ela tem de aprender a conviver com a dor da perda, as dúvidas da puberdade e, claro, a descoberta do amor.
Em Meu Primeiro Amor, o desfecho de um dos personagens principais termina em tragédia, provocada pelo ataque de um enxame de abelhas (desfecho que toca o coração de muita gente por aí até hoje)! Fato interessante é que a contagiante e romântica música tema “My Girl” era uma espécie de prenúncio desse final: “I’ve got so much honey / The bees envy me“! A “doçura” deste filme reside em ser uma história que não envelhece tão facilmente pelo olhar inocente sobre temas universais como perda e amor.
Fabricio Carlos
O Enxame (1978)
Depois de usar a água e o fogo como o estopim do desastre em, respectivamente, O Destino do Poseidon e Inferno na Torre, ambos sucessos estrondosos de bilheteria, o produtor Irwin Allen procurava outra grande ameaça para o terceiro filme e se fez a pergunta que qualquer um faria: “Por que não abelhas?” O resultado foi outro desastre, mas desta vez não apenas nas telas: mesmo contando com atores do calibre de Michael Caine e Henry Fonda, sem falar em milhares de coadjuvantes voadores trabalhando de graça, O Enxame fracassou junto ao público e levou umas boas ferroadas da crítica.
Dá pra sentir o drama neste vídeo com os “melhores” momentos do longa, incluindo alucinações com abelhas gigantes, diálogos risíveis e atuações constrangedoras (minha cena favorita é a que começa em 5:34). Mas o melhor mesmo é o aviso que encerra a obra: “A abelha africana assassina retratada neste filme não tem absolutamente nenhuma relação com a trabalhadora abelha americana que produz mel e à qual somos gratos pela polinização de cultivos vitais que alimentam nossa nação”. Consciência ecológica ou medo de uma merecida vingança apiária?
Lucas Paio