Ennio Morricone nasceu em Roma em 10 de novembro de 1928, há exatos 85 anos. Estudou no Santa Cecilia Conservatory, onde se especializou em trompete. Além disso, Morricone também foi colega de classe de ninguém menos do que Sérgio Leone, que deu uma forcinha ao amigo, o chamando para fazer a trilha de Por um Punhado de Dólares (1964).
A partir de então, a parceria entre o diretor e Morricone foi digna de Hitchcock e Bernard Herrmann, Fellini e Nino Rota, com o maestro sendo responsável por trilhas de seus principais filmes, como Três Homens em Conflito e Era Uma Vez no Oeste.
Desde então, Morricone foi responsável por mais de 500 trilhas no cinema e na TV, incluindo clássicos, como Os Intocáveis e Cinema Paradiso. Injustiçado pela Academia, o maestro recebeu apenas um Oscar honorário em 2007, pelas mãos de ninguém menos que Clint Eastwood.
O Cinema de Buteco não cometerá o mesmo e relembra as trilhas de Morricone que mais marcaram as nossas vidas.
Cinema Paradiso, de Giuseppe Tornatore
Eu era uma criança quando assisti pela primeira vez a Cinema Paradiso, longa de Giuseppe Tornatore que está quase completando a minha idade. E se filmes podem mudar a vida de alguém, é pelo fato de causar reflexões e sensações catárticas, que deixam marcas profundas em sua vida. E é por isso que ele é o filme da minha vida, não por ser o melhor do mundo (não é, ele tem alguns defeitos), mas por ser aquele que mais me impactou.
Totó era meu alter-ego, a criança que tinha coragem de ser o que eu não era: espevitada, livre e disposto em mergulhar de cabeça em sua grande paixão (nossa paixão em comum na infância): o cinema. Mais do que a história dos personagens, o filme é uma analogia à história do cinema italiano, que foi do auge à decadência em poucos anos.
Eu já devo ter assistido Cinema Paradiso mais de 10 vezes, e em todas, eu choro… Muito! E tanta emoção não seria possível sem a trilha de Morricone, responsável por todas as canções do filme, do alegre tema associado à infância de Totó, a desesperadora cena do cinema pegando fogo. Mas é mesmo o tema de amor que ganha o meu coração e embala minha vida. E se ela não torna a cena final, dos beijos deletados, ainda mais especial para você, meu amigo, você não sabe o que a paixão pela sétima arte.
Larissa Padron
O Enigma do Outro Mundo, de John Carpenter
O mestre do horror John Carpenter sempre teve o hábito de cuidar das trilhas sonoras dos seus próprios filmes. Foi dele o tema de Halloween – A Noite do Terror e Eles Vivem!, por exemplo. No clássico sci-fi de horror O Enigma do Outro Mundo, ele teve a companhia de ninguém menos do que o grande mestre das trilhas sonoras: Ennio Morricone. Ainda que exista uma certa polêmica sobre quem criou o que, o importante é que o tema principal do filme ouvido logo nos momentos iniciais, quando um cachorrinho lindo corre pela neve fugindo dos tiros de um maluco num helicóptero é sensacional. Ouça:
Tullio Dias
Era Uma Vez no Oeste, de Sergio Leone
Era uma Vez no Oeste não apenas um dos melhores westerns de todos os tempos: é uma das maiores obras-primas do Cinema e, na minha opinião, um dos poucos filmes perfeitos existentes. Tudo lá é sensacional, desde a sequência nos minutos iniciais em que o diretor brinca com os sons diegéticos para construir uma certa tensão que culmina na morte de um personagem de forma inesperada – o ator é um dos protagonistas do filme anterior de Leone, Três Homens em Conflito – até a trilha sonora, uma das melhores características da obra. Morricone cria temas musicais para os personagens e mistura-os durante o decorrer da obra. A trilha evoca toda a melancolia do fim de uma era em que a história está situada: o progresso acabou com o que existia antes, o tempo dos cowboys acabou. O oeste não mais é.
João Golin
Três Homens em Conflito, de Sergio Leone
É impossível ouvir o icônico tema de Ennio Morricone para Três Homens em Conflito, clássico obrigatório de Sergio Leone que completa sua Trilogia dos Dólares, sem pensar imediatamente em deserto, poeira, cavalos e os gatilhos mais rápidos do oeste. Suas duas notas que lembram o uivo de um coiote, acompanhadas por percussão, guitarra e metais, permeiam o filme inteiro em diversas versões, variando de acordo com a situação e o personagem em destaque: som de flauta para Clint Eastwood (o Bom), ocarina para Lee Van Cleef (o Mau), vozes humanas para Eli Wallach (o Feio). É um tema tão marcante que ganhou vida própria e ficou impregnado na cultura pop, aparecendo em incontáveis filmes e séries de TV, de Simpsons e Sopranos até a explosiva apresentação de Chuck Norris em Os Mercenários 2. Ouça e tente não ficar o resto do dia assoviando a música:
Lucas Paio
Era Uma Vez na América, de Sergio Leone
Ennio Morricone faz escolhas inusitadas e, para alguns, contestáveis na trilha sonora de Era uma vez na América; mas o mestre sempre soube o que estava fazendo. A composição de trechos que se confundiriam sem dificuldades de festas infantis a cabarés agitados apenas ressalta a tragédia de David “Noodles” Aaronson em encarar seu passado violento e recordar, com certa nostalgia, de uma época vencida pela velhice e o cansaço. Eis que Ennio então emprega uma harmônica e coros para ressalta a melancólica nostalgia das ruas nova iorquinas e da própria juventude. E mesmo que você não seja um gangster – ao menos é isto que eu espero – eu não estranharia que, daqui a uns bons 20-30 anos, seus olhos encham-se de lágrimas ao ouvir esta trilha e se recordar de uma época em que tudo parecia possível. Talvez porque realmente fosse.
Marcio Sallem, crítico do site Em Cartaz
Cinzas do Paraíso, de Terrence Malick
Um cineasta como Terrence Malick não poderia deixar de realizar uma parceria com um compositor do calibre de Ennio Morricone. E pensar que ele nem era a primeira opção do diretor, que preferia contar com o guitarrista Leo Kottke. Megalomaníaco desde sempre, Malick tentou “ajudar” na trilha com algumas “sugestões”. O compositor foi malandro e gravava sempre duas versões: a sua e uma para agradar o diretor, que acabou percebendo que estava diante um cara que entendia do serviço e o deixou em paz. Por conta do seu trabalho em Cinzas do Paraíso, Morricone conseguiu a sua primeira indicação ao Oscar.
Na crítica do filme, a Fernanda Minucci descreveu a trilha sonora como parte essencial da poesia de Cinzas do Paraíso: “maravilhosa e tão viva como qualquer outro personagem, aponta com emoção o que está por vir, causando espanto e admiração aos espectadores.”. Clique aqui para ler o texto completo.
Tullio Dias
Pecados de Guerra, de Brian De Palma
A leitura narrativa de um filme pode ser redefinida por sua trilha sonora, e Ennio Morricone entende como poucos tal direcionamento. Antes que ele concluísse o trabalho original para este em específico, Brian De Palma escolheu utilizar trechos da música de O Enigma do Outro Mundo para fazer as primeiras compilações de suas cenas – denotando, talvez, uma expectativa diferente em relação ao seu resultado final. Uma outra forma de distopia e de bestialidade, quem sabe. Outro tempo, outro espaço. Aqui, Morricone prefere não enfatizar o terror, e sim a culpa: seu réquiem marcado por ecos indígenas soa como um triste cortejo sacro que acomete a perspectiva do protagonista (Michael J. Fox), cujos traumas pelos crimes de guerra testemunhados no Vietnã o perseguem por muito tempo depois. Esta cicatriz ocidental dos ritualismos judaico-cristãos, presente também em diálogos do filme, é reforçada quando o tema principal é tomado por um coral capaz de debruçar em lágrimas o mais ateu dos ateus. “Qui cantat, bis orat.” Cantar uma vez pode ser rezar infinitamente.
Leonardo Francini, colunista do blog Cinema News
Os Intocáveis, de Brian De Palma
Um dos ingredientes essenciais para qualquer filme ficar no inconsciente do espectador é contar com uma boa trilha sonora. Se a obra for boa, fica quase impossível não se tornar especial para aquela pessoa que gastar duas horinhas do dia na frente da tela. Os Intocáveis, de Brian De Palma, é uma daquelas produções que “explodem” a sua cabeça. Você entra na história, torce pelos heróis, admira o personagem de Sean Connery pela sua sabedoria, lamenta a morte de membros do quarteto fantástico liderado por Kevin Costner, mas essas coisas são fortalecidas pelo trabalho excepcional de Ennio Morricone.
Tullio Dias
Texto da introdução: Larissa Padron
[cinco]