A EQUIPE DO CINEMA DE BUTECO RESPEITA MUITO O CINEMA EUROPEU, e o top 10 com os filmes dessa região já faz parte do nosso calendário, mas percebemos que fazer essa lista em 2017 acarretaria a exclusão de grandes títulos africanos, asiáticos ou sul-americanos. Sendo assim, nada mais justo do que expandir a nossa lista aos países que conceberam filmes maravilhosos em 2017 e nos proporcionaram muita reflexão e uma amostra do que acontece ao redor do mundo.
10) A Vida de Uma Mulher (Une vie, Stéphane Brizé)
Na Normandia do século XIX, a jovem Jeanne leva uma vida confortável e privilegiada ao lado dos pais, até que conhece o visconde Julien de Lamare, por quem se apaixona e se casa. Mas, pouco depois do casamento, Julien passa a mostrar seu verdadeiro temperamento e a controlar os hábitos da esposa.
Ao longo dos anos, Jeanne passa por decepções muito dolorosas, mas tenta sempre se recompor e manter a crença de um bom futuro para o filho. Refém dos duros códigos sociais e morais da época, ela é o exemplo da romantização do casamento e da árdua tarefa de servir, com excelência, como esposa e mãe dedicada.
9) Assim que Abro Meus Olhos (À peine j’ouvre les yeux, Leyla Bouzid)
Tunísia, 2010. A jovem Farah se vê deslumbrada pelo que a vida pode lhe oferecer, pela juventude e pela paixão que nutre pela música, mas seus pais idealizam uma vida diferente para a filha, começando pelo curso de Medicina. Farah precisa, então, decidir se segue em frente com seus ideais (e um pouco de ingenuidade) ou se deve se render à vida que seus pais desejam pra ela.
Porém, a situação do país força a jovem a abrir os olhos para uma realidade mais dura e presente, pois coincide com a da Revolução de Jasmin que derrubou o regime de Zina El Abidine Ben Ali. Os protestos generalizados deram origem à Primavera Árabe. O filme de Leyla Bouzid expõe a realidade feminina na Tunísia e faz um paralelo com os dramas comuns à juventude, como a paixão, as dúvidas e as perdas que cada escolha pode causar.
https://www.youtube.com/watch?v=sjsRqOKyOvc
8) Scary Mother (Ana Urushadze)
Manana, uma mulher de meia-idade, esposa e mãe de 3 filhos, é uma representação daquela pessoa que muitos gostam de ter por perto, mas, ao mesmo tempo, não aceitam quando a mesma manifesta vontade própria, afinal é cômodo ter uma mãe e esposa em casa pronta para atender às necessidades da família.
Mas, como deve vir a realização de alguém neste cenário? Ela deve se sentir realizada pelas conquistas do marido? Pelas conquistas dos filhos? Manana se mostra dedicada ao seu trabalho como escritora, o que é encarado com certa benevolência mascarada como apoio por seus familiares, que tentam esconder a saudade que sentem da antiga Manana, mas na verdade, sentem falta da comodidade de tê-la sempre disponível.
7) Corpo e Alma (Teströl és lélekröl, Ildikó Enyedi)
Com uma sensibilidade impressionante, o filme da húngara Ildikó Enyedi nos apresenta a duas pessoas muito diferentes, mas com algo em comum: a solidão. Mária e Endre são colegas de trabalho que não fazem muita questão de interagir um com o outro, mas por acaso, descobrem que têm os mesmos sonhos quando dormem.
A partir disso, lutando com seus demônios internos, eles tentam trazer essa relação para a realidade. Com muita sutileza, seus problemas de autoestima e a dificuldade em se relacionar com outras pessoas são abordadas no filme. Corpo e Alma tem uma daquelas histórias improváveis, mas que fazem todos torcerem por um desfecho feliz para os envolvidos.
6) A Jovem Rainha (The Girl King, Mika Kaurismäki)
No século XVII, a pequena Cristina foi coroada rainha da Suécia, aos 6 anos de idade. Em uma sociedade com costumes limitados e cercada de pessoas que intencionavam moldar a monarca de acordo com os ideais da época, Cristina desafiou a todos ao colocar em prática suas ideias de modernização do país e ao fazer questionamentos filosóficos e religiosos. Mas as dificuldades não pararam por aí, Cristina precisou enfrentar também as consequências de sua paixão por uma condessa.
O filme do finlandês Mika Kaurismäki traz atuações poderosas, com destaque para Malin Buska, no papel de Cristina, e de Sarah Gadon (das séries Alias Grace e 11.22.63). Foi exibido de maneira tímida, e provavelmente passou despercebido por muitos, mas é um grande filme que expõe de maneira eficaz as deficiências de uma sociedade dominada pela hipocrisia e pela crença injustificada de que podemos definir como as pessoas devem viver suas vidas.
5) O Fantasma da Sicília (Sicilian Ghost Story, Fabio Grassadonia e Antonio Piazza)
Em um vilarejo da Sicília, Luna e Giuseppe (filho de um mafioso que virou informante), de 13 anos, estão descobrindo o interesse mútuo e os joguinhos que surgem a partir disso, misturando inocência e até um pouco de rebeldia. Mas, depois de receber uma carta onde Luna declara seu amor, Giuseppe desaparece e, aparentemente, ninguém dá bola para o sumiço sem explicação. A garota não se conforma com a ausência do amado e decide ir atrás de respostas para suas perguntas, mas só encontra pessoas que acreditam que o melhor caminho é a aceitação, como se soubessem do destino de Giuseppe, mas preferissem fechar os olhos para o mundo cruel em que vivemos. Porém, a amiga Loredana é sua confidente e cúmplice.
Apesar de todo mundo saber que há inúmeras maneiras de falar sobre o mesmo fato, ainda é adorável quando nos deparamos com uma obra que aborda um assunto pesado e o narra de maneira sensível. O Fantasma da Sicília, da dupla Fabio Grassadonia e Antonio Piazza, tem essa característica. Ao final do filme, há a revelação, feita de uma maneira breve, do que aconteceu ao jovem que inspirou o filme. É quando temos a certeza de que somente alguém com muito tato ao falar com o público poderia conceber o filme.
4) Mulheres Divinas (Die göttliche Ordnung, Petra Volpe)
A percepção de que um costume nos incomoda pode aparecer por acaso. Em 1971, em um vilarejo suíço, Nora reconhece que sua rotina é não a agrada e clama por algo além de cuidar dos filhos, do sogro e da casa, mas percebe que até mesmo para conseguir um emprego ela precisa da autorização do marido, que é contra. Além disso, se vê diante da oportunidade de fazer diferença na luta pelo direito feminino ao voto, e agarra a causa com afinco. Em pouco tempo, coloca em prática a mudança de comportamento e passa a exigir dos outros moradores da casa a consciência de que todo mundo ali é responsável pelo que suja. Mulheres Divinas não é “somente” sobre o direito ao voto, mas também sobre descobertas, cumplicidade e compreensão, e carrega passagens sérias com momentos cômicos, além de apresentar mulheres de diferentes perfis, mas todas com vontade de lutar por um mundo mais igualitário.
3)Uma Mulher Fantástica (Una Mujer Fantástica, Sebastián Lelio)
Mulher apaixonada, garçonete e cantora: esta é Marina, que, como a maioria das pessoas, luta por seu próprio espaço. Mas, quando Orlando, seu namorado, morre de maneira repentina, Marina se vê à mercê do preconceito da sociedade. Além de ser considerada suspeita pela polícia, a família de Orlando trata Marina como se esta fosse motivo de vergonha. Tudo isso porque ela é uma mulher trans.
Sem tratar a protagonista como coitadinha, o filme do chileno Sebastián Lelio denuncia a deficiência de uma sociedade preconceituosa, homofóbica e incompreensiva, além de incapaz de ter empatia. Daniela Vega, no papel principal, está magnífica e mostra que é mesmo uma mulher fantástica. O filme é um forte candidato ao Oscar 2018.
2) O Apartamento (Forushande, Asghar Farhadi)
O iraniano Asghar Farhadi, conhecido por obras como A Separação, O Passado e Procurando Elly, voltou a abordar situações incômodas em O Apartamento. No filme, a relação de um casal é abalada quando a esposa é atacada no apartamento onde o casal mora provisoriamente. Ela e o marido reagem de maneiras diferentes ao acontecimento e sentimentos controversos como o desejo de vingança e piedade ficam em evidência. E surge a pergunta: o homem tem uma reação violenta pela falta de respeito com que a esposa foi tratada ou por achar que o desrespeitado na situação é ele, pois enxerga a esposa como sua propriedade?
Com O Apartamento, Farhadi garantiu o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro pela segunda vez e deixou para trás Elle e Toni Erdmann. É um grande exemplo de drama bem desenvolvido a partir da posição de cada um dentro dos costumes da sociedade.
1) A Criada (The Handmaiden, Park Chan-Woo)
O filme de Park Chan-Woo prometia uma trama composta por ambição, traição e vingança, mas se mostrou muito mais do que isso. O Conde Fujiwara acreditava ter tudo sob controle quando colocou a jovem Sookee para trabalhar como criada de Hideko, a herdeira de uma grande fortuna. Mas ele não contava com a amizade e cumplicidade que poderiam surgir entre as duas mulheres. Agora, ele está à mercê da união entre duas jovens que têm suas respectivas razões para destruir o plano do Conde.
A história é dividida em três partes e mistura passado e presente para que o espectador possa entender o futuro dos personagens. Trabalho primoroso do diretor e de todo o elenco, A Criada tem suspense, romance e drama em uma única história, tem grandes cenas de sexo incrivelmente bem conduzidas e é imperdível.