O Cinema de Buteco adverte: a crítica a seguir possui spoilers e deve ser apreciada com moderação.
EM TEMPOS DE FILMES COM MAIS DE DUAS HORAS DE DURAÇÃO NA DISPUTA DO OSCAR 2013, O Lado Bom da Vida (121 minutos) se destaca por oferecer um tema que causa identificação imediata com o público. Por melhores que sejam, dramas sobre atividades militares condenáveis ou sobre um escravo vingativo ou sobre um ex-presidente de um país que não é o Brasil ou sobre uma religião maluca não possuem o elemento humano conhecido como o amor. E, sinto muito pelos fãs do cinemão, mas nesse ponto o longa-metragem de David O. Russell dá um banho nos concorrentes.
Estrelado por Bradley Cooper (em uma performance tão surpreendente que até me esqueci do fato dele ter protagonizado o duvidoso As Palavras. Opa, lembrei de novo!), Jennifer Lawrence (já podemos afirmar que ela é a principal atriz da nova geração?), Robert de Niro (cara, é O Robert de Niro fazendo um FILME BOM e sendo indicado ao Oscar, coisa que não acontecia desde o começo da década de 90, com Cabo do Medo, de Martin Scorsese), Jacki Weaver (já podemos dizer que ela também é uma das melhores atrizes reveladas nos últimos anos? Se você duvida, assista Reino Animal e entenda o motivo), e Chris Tucker (well, não sei o que posso dizer sobre o retorno de Chris Tucker), o filme é baseado em um livro lançado recentemente no Brasil pela editora Intrínseca. A trama gira em torno da vida desse corno (Cooper) que se envolve com uma maluca (Lawrence) enquanto tenta se recuperar de um colapso nervoso causado por flagrar a esposa no chuveiro de casa com um careca feioso. Dá para entender o lado dele, né?
Como ficou provado em O Vencedor (“Olha lá, quem vem do lado oposto…”), o grande talento de Russell está na condução de seus atores. Dessa vez, além de trabalhar com as talentosas Jennifer Lawrence e Jacki Weaver, o cineasta ainda conseguiu transformar um galã em ator de verdade e recuperar as carreiras de Robert de Niro e Chris Tucker, que estava há anos afastado do cinema. Não é por acaso que as atuações são o que há de melhor em O Lado Bom da Vida.
O grande ponto positivo do filme está na performance de Lawrence. Desde o primeiro momento em que surge na tela, usando uma roupa preta com um decote sensual, e um humor ácido e contestador, o público (e Pat) fica derretido. A personagem é diferente do habitual da carreira da atriz, que atualmente está envolvida com a franquia Jogos Vorazes, além de ter estrelado o medíocre A Última Casa da Rua. O carisma de Lawrence talvez seja um dos fatores principais para Cooper mostrar amadurecimento e que não é simplesmente mais um galã de Hollywood.
Com uma trilha sonora de tirar o chapéu, incluindo uma cena incrível ao som de “What is And What Should Never Be”, do Led Zeppelin. Pat xinga Tiffany e leva um tapa no rosto. Antes da garota ir embora enfurecida, a voz de Robert Plant começa a sussurrar os versos da canção. Logo depois Pat tem uma crise nervosa em casa, causando um verdadeiro caos na vizinhança. “My Cherie Amour”, de Stevie Wonder, é a faixa mais importante do filme, trazendo lembranças ruins para o personagem principal. É engraçado imaginar que uma música dessas seja capaz de despertar tanta fúria em uma pessoa. E por fim, a verdadeira cena musical de O Lado Bom da Vida evoca os momentos de Pequena Miss Sunshine e Tudo Acontece em Elizabeth Town, mas peca por não transmitir a mesma emoção ou graça, embora seja divertida.
Em determinado momento, durante uma visita de Pat ao psiquiatra, a câmera foca as mãos do personagem. O espectador consegue perceber que ele está tenso, apertando uma mão na outra, e também que ainda usa a aliança de seu casamento. Pensei que a atenção do diretor voltaria para a aliança quando o destino do personagem fosse “selado”, como se fosse a representação do amadurecimento dele (exatamente como o toque de celular mais adulto utilizado por Mark Wahlberg nos momentos finais de Ted, como bem observado por Larissa Padron em sua crítica), mas isso simplesmente não acontece. Ou seja, somando essa cena com outros momentos da história, ficam no ar as questões que fizeram Pat “esquecer” sua ex-esposa.
O Lado Bom da Vida é um romance com frases de efeito conhecidas (“se você ama alguém, deixe-o livre”) e com uma história comum: quem nunca tentou se aproximar de um velho amor através de outra pessoa? Nós ficamos cegos fácil demais. No caso de Pat, foi por não querer aceitar a verdade e cismar em consertar o passado. As pessoas certas se aproximam como amigas, dispostas a se sacrificarem apenas para deixar o amor feliz. Algumas vezes, os envolvidos percebem o que está acontecendo e conseguem evitar perder oportunidades de ouro, como no caso do filme de Russell. Ainda assim, mesmo sendo previsível, O Lado Bom da Vida funciona e é emocionante. Exatamente como a vida real.
Nota:[quatro]
Leia também o texto de Wendel Wonka. Clique aqui.