por Larissa Padron e João Andrade
O CINEMA É UMA MÁQUINA DE CRIAR EXPERIÊNCIAS. Uma sala pode ser um convite à imersão total em uma história, e alguns realizadores sabem como manipular as ferramentas que o cinema oferece de tal maneira, a ponto de fazer técnica e poesia se tornarem mecanismos que tornam o espectador um personagem da história contada. É assim em Gravidade, longa que Alfonso Cuarón dirige sete anos depois de sua outra obra prima Filhos da Esperança, com base no roteiro que escreveu ao lado de seu filho, Jonas Cuarón.
Assim como no filme de 2006, há um mote que conduz os personagens a um processo de sobrevivência quando a realidade se torna hostil. Aqui Cuarón coloca toda a narrativa para funcionar a favor de uma profunda experiência do espectador, nos deixando sem ar, alimentando ou retirando esperanças, nos apavorando, e é claro, nos deixando em órbita, à deriva, sem nenhum sinal de gravidade.
O filme é centrado na Dra. Ryan Stone (Sandra Bullock), uma engenheira médica em sua primeira viagem ao espaço para o reparo de um satélite, acompanhada do tenente Matt Kowalski (George Clooney), em sua última viagem antes de se aposentar. Até que o choque contra os destroços de um satélite russo a deixa literalmente sem órbita, tendo de ficar atada ao personagem de Clooney para chegar a uma estação espacial antes de ficar sem oxigênio.
A partir de então, acompanhamos a Dra. Ryan lutar contra todas as forças da natureza e da física para, ironicamente, buscar a vida que havia deixado para trás após uma trágica morte na família. Mas Gravidade na verdade é um filme de confrontos. O confronto com a natureza que nos dá vida e a tira, do silêncio que traz liberdade e solidão, da marinheira de primeira viagem junto ao veterano, da vontade de sobreviver para alguém que já havia esquecido o que era a vida, e apenas dirigia. É a saga que define a humanidade: aquela que reafirma os laços que o homem mantém com a própria vida, laços que faz com que, mesmo em momentos de completo absurdo, o homem decida simplesmente continuar.
O renascimento como cerne do filme fica óbvio no momento em que Ryan, ao entrar na estação espacial após muito lutar, gira na ausência de gravidade como em um líquido amniótico, assumindo uma posição fetal no que é uma das mais belas cenas do filme. Se ainda existe justiça na academia, Emmanuel Lubezki, parceiro de longa data de Cuarón, finalmente será reconhecido por seu trabalho (ele já fotografou Filhos da Esperança e Árvore da Vida, de Terrence Malick).
Utilizando a liberdade que a imensidão espacial fornece como ponto de partida, fazendo do espaço o personagem que engole com sua presença sublime, Lubezki compõe com maestria cada sequência, colocando a câmera sempre em órbita como se fosse mais um elemento que flutua junto com nossos astronautas. Alguns planos merecem destaque por sua genialidade e beleza, como aquele em que a câmera gira até entrar no capacete de Bullock e assumir seu ponto de vista, e aquele que mostra a chuva de destroços de satélite, que causam uma silenciosa destruição ao redor de Bullock enquanto essa tenta resolver um problema. As soluções que o filme escolhe para conduzir a narrativa nunca são simples, e por isso mesmo impressionantes.
Outro destaque técnico está na equipe de som, que sabe conduzir um dos aspectos mais difíceis do seu trabalho: o silêncio. O fato de que o som não se propaga no espaço trabalha em função de nossa assustadora experiência, ressaltando apenas a forte respiração dos atores e do choque de seus trajes contra objetos.
É claro que um filme de tamanha intensidade dramática com foco em apenas uma personagem não funcionaria bem sem uma boa protagonista. Mesmo não negando que algumas atrizes poderiam fazer um trabalho melhor que Bullock, a atriz, que é injustiçada em alguns momentos devido às suas péssimas escolhas, nos dá a melhor performance de sua carreira, com uma Ryan que passa de completamente apática (justificadamente) a alguém cujo desespero se torna combustível da vida. Está perdoada por ganhar um Oscar pelo horroroso papel em Um Sonho Possível. A química entre ela e Clooney funciona muito bem, especialmente no que diz respeito aos respiros entre os momentos de tensão, tão necessários ao filme.
Gravidade também pode ser considerado uma homenagem ao cinema, e não apenas à ficção-científica, através de importantes elementos de filmes clássicos, como 2001: Uma Odisseia no Espaço (e não é à toa que Ed Harris, veterano no gênero, empresta a voz ao Controle da Missão). O longa costura sua trama com base em todos os gêneros do cinema: o horror, a comédia e o drama, principalmente, com algumas cenas de arrancar lágrimas (literalmente).
Mas o grande mérito é de Cuarón que se demonstra visionário ao criar uma linha narrativa tão coesa e milimetricamente planejada, em uma ambiente pouco conhecido por nós (e criado digitalmente, o que torna a inventividade mais necessária) e com uma marca cada vez mais autoral, com planos sequências que mostram sua genialidade não apenas pelo tempo que duram, mas pela maneira como evidenciam todos os detalhes da ação. Destaque também para a pequena gag do diretor de sempre deixar água espirrar na câmera (algo também feito em E Sua Mãe Também e Filhos da Esperança).
Silêncio, inércia e infinito. Talvez as três questões que mais caracterizam a busca da humanidade por reconhecimento e respostas, aparecem aqui em um filme belo, acessível, sem com isso perder em profundidade, dada a experiência que proporciona.
Nota:[cinco]