O Cinema de Buteco adverte: a crítica a seguir possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
ESQUEÇA AS REGRAS VELADAS DOS TAIS FILMES DE HERÓIS. Para os críticos do sub-gênero, Deadpool se torna um ponto fora da curva capaz de agradar a todos que apreciam boas tramas de ação regadas com cenas de violência gráfica e um senso de humor ácido e peculiar.
Desde que Christopher Nolan recuperou a imagem do Homem-Morcego nos cinemas e os estúdios Marvel aproveitaram a deixa para dominar o mundo da sétima arte não se via um longa-metragem capaz de fugir da mesmice dessas produções. Guardiões da Galáxia foi o primeiro a arriscar um flerte maior com o humor escrachado, mas ainda assim seguia fielmente o roteiro do que se espera dos “filmes de heróis”, especialmente da Marvel. A partir de um roteiro de Rhett Reese e Paul Wernick (dupla responsável por Zumbilândia, ou seja, já com experiência em criar histórias absurdas e hilárias), Deadpool surpreende em tudo que se propõe. Não é que seja livre dos defeitos, mas o resultado é tão bom que a diversão compensa as falhas. E mais surpreendente ainda é perceber que o longa-metragem chega para competir com X-Men Primeira Classe e Dias de Um Futuro Esquecido na lista de melhores coisas que a Fox já fez se tratando de heróis, logo depois do fiasco que foi o remake de Quarteto Fantástico.
O principal defeito de Deadpool é a organização da sua narrativa. Dividida entre um evento no presente e flashbacks do passado por boa parte do filme, essa opção acaba cortando um pouco do ritmo em alguns momentos. O curioso é que ficamos divididos entre querer acompanhar o desenvolvimento da sequência de ação na ponte e entender como foi que um ex-agente do exército que ganhava a vida sendo um sujeito muito malvado no meio de gente malvada se tornou um mutante com poderes de regeneração que rejeita convites para entrar na boy-band do Colossus, também conhecida como X-Men.
Agora que apontei o ponto negativo, posso explicitar o meu prazer quase sexual com todo o restante presente na produção dirigida por Tim Miller. Gosto de perceber a combinação explosiva do humor escrachado com o desenvolvimento da narrativa. Esperava-se que Deadpool acabasse se perdendo em algum momento, mas isso felizmente não acontece. Existe espaço para fazer as piadas, rir da falta de outros X-Men, mas também existem os momentos (próximos do que se pode chamar) de seriedade. Tudo funciona em harmonia e sem prejudicar o desenvolvimento da trama com excessos. Ryan Reynolds está ótimo e finalmente pode riscar da sua lista de desejos fazer um filme de herói que prestasse, mesmo passando a maior parte da trama escondido por baixo de uma máscara.
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Uma das grandes sacadas de Deadpool, fora o roteiro sensacional cheio de referências pop e piadas pejorativas contra tudo e todos (inclusive, algumas dessas piadas acabam transformando Deadpool em um filme único e distante de qualquer outra trama de herói, já que o personagem quebra a quarta parede o tempo inteiro e a interação com o público transforma a obra numa espécie de paródia de tudo que já foi produzido nesse sub-gênero), aparece já nos créditos iniciais, que provavelmente figuram entre os melhores produzidos na história do cinema. Ou pelo menos se garantem como um dos mais engraçados. Ao invés de seguir o formato convencional apresentando os nomes das pessoas envolvidas na produção, eles dão o tom debochado sacaneando todos os participantes. Ryan Reynolds é zoado por ser o homem mais sexy e ter feito Lanterna Verde (até os executivos da Warner Bros devem ter rido nessa), o diretor Tim Miller se torna apenas “um babaca que recebeu demais”, dentre outras pérolas, que incluem até críticas ao machismo da indústria, ironizando a presença da brasileira Morena Baccarin como a “gostosa explorada”. Como não podia deixar de ser, o uso de uma boa canção é essencial para tornar uma cena especial e os créditos usam “Angel of the Morning” e aproveitam para apresentar uma versão em slow motion de uma das sequências de ação mais interessantes do filme. (Na verdade, fui irônico ao dizer “boa canção”. A música simplesmente funciona para a cena, mas não deixa de ser brega)
Importante dessa abertura é perceber imediatamente o tom do filme. Fica claro para os espectadores que Deadpool é realmente diferente de um X-Men, Wolverine ou Capitão América da vida. Aqui nós temos não apenas violência gráfica digna de Kick-ass ou Django Livre, mas muuuuuitos palavrões e até mesmo cenas muito íntimas da vida sexual do “herói” com a sua namorada. Além da já mencionada quebra da quarta parede (que é quando o personagem “conversa” com o público), que possui seus pontos negativos e positivos. Se Guardiões da Galáxia abriu a porta para a “zuera”, Deadpool chegou de voadora para mostrar a sua vibe Joselito para o mundo.
Recomendo o filme para todos que não se surpreendem com violência gráfica (e conseguem achar graça nisso) e buscam produtos diferenciados numa época em que originalidade parece cada vez mais rara. Num ano em que parecia que o Batman seria novamente o personagem responsável pelo melhor filme de herói, Deadpool chega para lutar por seu lugar ao sol no hall das produções baseadas em HQ’s. Acredito que tanto a DC quanto a Marvel terão que se esforçar muito para superar o trabalho da Fox nessa inusitada adaptação. E isso não será uma missão nada fácil.
PS: Deadpool tem a MELHOR cena pós-créditos dessa leva de produções de ação. A referência a Curtindo a Vida Adoidado é a cereja do bolo que torna a produção ainda mais especial e única.