Por Leonardo Carnelos (www.artperceptions.com)
Estou muito feliz com o convite do Sr. Tullio Dias para escrever meus palpites sobre o Oscar 2014 aqui no Cinema de Buteco, e mais animado ainda com a ótima safra de filmes de 2013. Analisando os indicados, arrisco dizer que este é um dos melhores em termos de produção cinematográfica dos últimos 5 anos.
Melhor Filme – 12 Anos de Escravidão
Eu não consigo disfarçar minha preferência por Gravidade, mas este ano quem leva é o 12 Anos de Escravidão. O filme tem tudo, um ótimo roteiro adaptado, fotografia, montagem e direção. O maior destaque fica mesmo para as atuações, primeiros dos vilões Paul Giamatti, Paul Dano, Michael Fassbender e Sarah Paulson. Do lado dos escravos, também é digna de nota a atuação do protagonista Chiwetel Ejiofor e da coadjuvante Lupita Nyong’o.
Eu sempre ouvi dizer que o blues foi inventado pelos escravos para extravasar a dor sentida pelas intermináveis e desgastantes jornadas diárias colhendo algodão, isso sem mencionar a atrocidade e crueldade da escravidão propriamente dita.
!!!! SPOILERS !!!!!
Durante todo o decorrer do filme, o protagonista é uma pessoa contida, que escolheu suportar a dor e a injustiça na esperança de um dia reencontrar a família, ao contrário de outros que preferiram a morte. Na cena em que ele está enterrando e de repente outros escravos começam a cantar e o protagonista demonstra um misto de ódio, tristeza, desesperança, pra a partir de certo momento começar a cantar com os demais, é possível ver como aquela música vem de dentro, e no fundo, entoar cânticos que exaltavam o próprio sofrimento era a única forma dos escravos colocarem pra fora toda a revolta acumulada de anos. Sensacional!
Todos os demais indicados são ótimos filmes e tem suas qualidades, mas o filme que não vou entender se ganhar é Trapaça.
Melhor Diretor – Alfonso Cuarón – Gravidade
O principal desafio de um diretor de cinema é o de contar bem uma história, passando sua mensagem e se possível torná-la atrativa para o público. Trocando em miúdos, o papel do diretor é realizar as melhores escolhas em termos audiovisuais e extrair o melhor dos atores. Em filmes como Trapaça e Álbum de Família, os diretores se apoiam em um bom roteiro e um elenco milionário, mas não consigo enxergar nestes filmes, um detalhe sequer da mão do diretor no audiovisual. Diferente de Alexander Payne em Nebraska, que apesar da simplicidade da história, emprega uma montagem extremamente realista, enfatizada pelo uso do P&B, fotografia e composições belíssimas.
O Lobo de Scorsese e os 12 anos de Steve McQueen também são muito eficientes, dá pra notar a marca registrada dos diretores nos filmes. Destaques para o traveling dentro do escritório de Wall Street arquitetado pelo Scorsese e a câmera parada no rosto Chiwetel Ejiofor, enquanto ele, chorando, extravasa toda a sua dor através do blues.
No entanto quem leva mesmo é Alfonso Cuarón, que pegou uma história relativamente simples e teve que contar com os avanços tecnológicos de sua equipe para tornar o filme Gravidade, assistido em 3D e IMAX, uma experiência única para os espectadores. Os destaques são muitos: o plano sequência inicial, o traveling da câmera entrando no capacete de Sandra Bullock, as belíssimas metáforas visuais, as armadilhas de roteiro que enganam o espectador a todo o tempo, e se em Filhos da Esperança a câmera se suja de água e sangue, em Gravidade temos os espectadores desviando dos destroços. Apesar dos outros indicados serem competentes, este Oscar é com louvor!
Só não vou entender mais nada se o David O. Russell ganhar o prêmio.
Melhor Ator – Matthew McConaughey – Clube de Compras Dallas
Apesar da torcida de muitos de um Oscar para Leonardo DiCaprio, eu não acho que ele mereça apenas por este filme. Ele tem se mostrado versátil e com atuações seguidas e competentes, mas não acho que o seu humor físico demonstrado em O Lobo de Wall Street mereça o prêmio (historicamente os mestres do humor físico nunca ganharam nada).
Nebraska é um filme emocionante e muito por conta da atuação de Bruce Dern. Conversando com amigos, todos nós identificamos naquele personagem alguém de nossas famílias, desde as cenas mais intensas até os menores trejeitos.
Chiwetel Ejiofor também está impecável em 12 anos ao demonstrar em cada cena a dor e o sofrimento contido de quem foi brutalmente tirado do conforto de sua família para por 12 anos presenciar o pior lado possível e imaginável dos seres humanos, e não poder fazer nada a respeito.
Quem leva este ano é mesmo a atuação de Matthew McConaughey em Clube de Compras Dallas. E não acho que ele mereça apenas pela transformação física que passou, como tantos gostam de enfatizar. Sua atuação é convincente, mudando de um extremo ao outro: de saudável a doente, de machão a um cara sem preconceito, de pilantra a um empreendedor de sucesso.
Aliás, até cheguei a achar que Capitão Phillips do Tom Hanks estaria no páreo, mas acho que o grande injustiçado desta lista de indicados é a atuação de Joaquin Phoenix em Ela. Não vou entender mais nada se o Christian Bale ganhar desta vez.
Melhor Atriz – Cate Blanchett – Blue Jasmine
Analisando os filmes deste ano sou mais a Cate Blanchett em Blue Jasmine, ela leva o filme inteiro sozinha nas costas e dá um banho de atuação. Mas não vou me surpreender com um Oscar para Judi Dench tanto pela atuação em Philomena quanto pela sua iminente aposentadoria, parece que ela está gradativamente perdendo a visão. Seria uma despedida maravilhosa pra ela, que só ganhou Oscar de coadjuvante. O Oscar é uma premiação muito complicada, quando olhamos para a carreira impecável de alguém que nunca foi premiado, reclamamos, mas quando a Academia resolve reparar um erro e premia pelo conjunto da obra, independente do filme daquele ano, todos também reclamam.
A Amy Adams está num crescente incrível, e deve ganhar o seu em breve, mas se acontecer este ano terá sido um tremendo lobby.
Melhor Ator Coadjuvante – Barkhad Abdi – Capitão Phillips
Interessante ver na lista de indicados como todos são vilões, ou no mínimo têm um caráter duvidoso. Os vilões rendem mesmo bons personagens e consequentemente boas atuações. O meu preferido é o Barkhadi Abdi de Capitão Phillips, que consegue surpreendentemente consegue manter o nível elevado ao lado do consagrado Tom Hanks. Se Hanks é famoso por interpretar um homem comum numa situação incomum, Barkhad Abdi é verdadeiramente um homem comum numa situação incomum, interpretando um pirata somali ao lado de Tom Hanks numa superprodução de Paul Greengrass.
Na lista de indicados, senti falta do Daniel Brühl em Rush, caracterizado como um excelente Niki Lauda.
Melhor Atriz Coadjuvante – Lupita Nyong’o – 12 Anos de Escravidão
Em certos momentos, Lupita Nyong’o rouba a cena de 12 anos de Escravidão, ao lado do excelente Chiwetel Ejiofor. Ela varia do desprezo ao desespero, retratando bem todo o mal que a escravidão gerou anos a fio.
Não entendi a presença da Julia Roberts nesta lista. Confesso que quando a vi nela até pensei que estava acontecendo um fenômeno parecido com o que aconteceu com Matthew McConaughey: quando a beleza acaba, os convites para filmes de galã e princesa também findam. Daí ou o ator/atriz mostra seu valor ou cai no ostracismo. E particularmente não vi na atuação dela em Álbum de Família nada diferente do que vimos em suas comédias românticas.
Melhor Roteiro Original – Ela
Este foi um ano fraco para os roteiros originais. Ela se destaca pela inovação de se discutir de uma forma diferente um assunto batido no cinema: o amor. Nebraska e Clube de Compras Dallas têm roteiros eficientes, mas não os vejo ganhando o grande prêmio. Blue Jasmine é um filme com boa montagem, mas com problemas no roteiro, faltaram algumas revisões de Woody Allen antes de sair gravando o filme com certeza.
Não vou entender mais nada se Trapaça levar este prêmio.
Melhor Roteiro Adaptado – Antes da Meia-Noite
Antes da Meia-Noite é o melhor em minha opinião, apesar de simples. Os pontos fortes são as situações, os diálogos e principalmente a longa cena de discussão entre o casal. O filme realmente se destaca pelo extremo realismo que é passado na tela, longe dos clichês que sempre diminuem muito e prejudicam as comédias românticas.
Outro filme que não me surpreenderia se ganhasse é Philomena, pela sua eficiência e pela forma inteligente como a metalinguagem foi utilizada.
Melhor Filme Estrangeiro – A Grande Beleza
Só assisti a 3 filmes (A Grande Beleza, A Caça e Alabama Monroe) desta categoria, mesmo assim arrisco o palpite para A Grande Beleza. A sinceridade e o sarcasmo do protagonista em sua jornada de realismo pela aristocracia romana remetem a grandes obras de Fellini, mas num contexto extremamente atual. Mas quem melhor definiu o filme foi minha amiga Giovana Breitschaft: A Grande Beleza é Cinema com C maiúsculo, é o tipo de filme que nos faz sentir felizes de estarmos vivos.
A Caça é outro filme espetacular, e não quero entrar em mais detalhes para evitar spoilers. Eu o assisti sem saber do que se tratava e foi uma experiência espetacular, outro filme que se encaixa no Cinema com C maiúsculo.
Alabama Monroe é um filme extremamente competente em te passar uma idéia inicial e depois fugir dela completamente. Minha sugestão é que ao ver o filme tentem traçar paralelos entre as letras das músicas do protagonista, que é um cantor de bluegrass (uma vertente da música country americana). Um ótimo filme, mas inferior a seus dois competidores acima descritos.