Previsões do OSCAR 2012 – Parte IV, por Ana Andrade

Algumas reflexões sobre a distribuição das estatuetas douradas: se o Oscar fosse uma premiação realmente justa, que endossasse as melhores produções e performances do ano, satisfazendo a críticos e cinéfilos em geral (tarefa praticamente impossível), poderia vencer “A Árvore da Vida”, com sua bela e sinestésica proposta narrativa diferenciada, dentro do cinema norte-americano, pelo menos. Mas como se trata de um prêmio da indústria – e não da crítica ou do público – não se deve ter ilusões, pois o que vence é, muitas vezes, o indicativo mais interessante para aquele mercado, recompensando ou incentivando bilheterias e carreiras, agradando ou punindo estúdios, reconhecendo esforços, fazendo média entre comunidades, apontando tendências e, às vezes, até respaldando merecidos talentos.

O próprio fato de estenderem a categoria de melhor filme a quase 10 indicados já evidencia a proposta de atrair o grande público, sabendo que a simples indicação pode aumentar consideravelmente a renda nas bilheterias. Sendo assim, um filme sem grandes atrativos, fora Brad Pitt (para quem o admira), como “O Homem que Mudou o Jogo”, já estaria “premiado” só de estar concorrendo.

Por outro lado, isso aponta a razão de “Melancolia”, “Precisamos Falar sobre Kevin” ou “A Pele que Habito” terem sido ignorados pela Academia. A implicância com Lars Von Trier, depois de seus comentários infelizes, acabou impedindo as indicações a filme, roteiro, direção, atrizes (Kirsten Dunst e Charlotte Gainsbourg, com personagens difíceis e densos), fotografia, montagem… E Almodóvar mostra que, em plena segunda década do milênio, ainda consegue incomodar muito com sua obra instigante que deveria ter sido também indicada a filme (estrangeiro, pelo menos), direção, roteiro (reverenciando a narrativa clássica numa subversão complexa e integrada de gêneros estabelecidos por Hollywood) e até ator – Antonio Bandeiras que dificilmente terá outra chance como esta, numa interpretação digna e imprescindível para o envolvimento tolerante com a narrativa proposta por Almodóvar.

É também curioso pensar que os dois grandes favoritos, o belo e nostálgico “O Artista” e o espetacular “A Invenção de Hugo Cabret”, que fazem reverência ao cinema do passado, dividem a disputa, contendo questões que tanto podem ser motivos para contemplá-los quanto para descartá-los: o primeiro se trata de uma produção franco-belga enaltecendo o cinema hollywoodiano da chamada Era de Ouro; e, no segundo, um cineasta americano presta homenagem ao “pai do cinema espetáculo”, o francês Georges Méliès, tocando na questão delicada (para os americanos) de quem inventou o cinema (a eterna briga de paternidade entre Edison/EUA versus Lumière/França).

Muitas vezes, produções vencedoras, como “Guerra ao Terror”, que não chegam a agradar o gosto popular, fazem com que a Academia reconsidere, premiando no ano seguinte um filme bastante acessível, como “O Discurso do Rei”. Nesse sentido, não surpreenderia se uma obra fraca e equivocada, mas com extremo apelo popular, como “Histórias Cruzadas”, saísse vencedora – ainda que esteja longe de ser relevante.

Sendo assim, apontar os vencedores do Oscar implica numa tentativa infrutífera de compreender uma lógica intangível. Semelhante ao que ocorre no futebol,revelam-se muitas surpresas e escondem-se mecanismos que nós, reles mortais nas salas escuras de cinema, nem chegamos a considerar.

 Dito isso, vamos às minhas conjecturas quanto aos filmes assistidos:

Melhor filme: “A Invenção de Hugo Cabret”, a celebração à magia do cinema como entretenimento, numa homenagem cativante de Scorsese. “O Artista”, como favorito (vencedor de vários prêmios), pode e também merece ganhar, trazendo à tona a atual questão de transição tecnológica numa ode a um cinema e uma época que não existem mais. “Meia-Noite em Paris” é um delicioso Woody Allen na antiga forma, mas cuja chance estaria mais em roteiro original. Os folhetinescos “Histórias Cruzadas” ou “Cavalo de Guerra” poderiam até vencer, de forma surpreendente e desconfortante, agradando muita gente que se comoveu com os filmes. Infelizmente, como já dito, “A Árvore da Vida” não tem chance, compondo a lista apenas para mostrar que a Academia tem “sensibilidade” e que, embora se importe mais com lucros do que com pretensões artísticas, sabe reconhecer um grande autor como Terrence Malick (caso semelhante ao de Stanley Kubrick, indicado várias vezes, mas ganhador de um único prêmio, de efeitos visuais, com seu “2001 – Uma Odisséia no Espaço”). “Os Descendentes”, “Tão Forte e Tão Perto” e “O Homem que Mudou o Jogo” correm por fora, apenas ajudando a ampliar a lista e distribuir o bolo entre os estúdios de Hollywood.

Melhor Diretor: Martin Scorsese, por mais que Malick ou Allen também mereçam. Não acredito que darão o prêmio ao francês Michel Hazanavicius, mesmo que “O Artista” seja o vencedor, uma vez que a soma filme + diretor não tem sido tão óbvia para a Academia. O competente Alexander Payne já está premiado com a indicação.

Melhor Ator: o excepcional Jean Dujardin – e, se até Roberto Begnini ganhou nesta categoria, por que um estrangeiro do talento dramático de Dujardin não venceria? Mas George Clooney tem mais chances, por ser uma figura bastante querida no meio e não fazer feio em “Os Descendentes”. Não posso falar de Demián Bichir ou Gary Oldman, pois, infelizmente, ainda não os assisti. Mas Brad Pitt esteve melhor em “A Árvore da Vida”, embora tenha sido indicado por “O Homem que Mudou o Jogo”, sem comover.

Melhor Atriz: Viola Davis. Se tudo correr bem, a única premiação de “Histórias Cruzadas”, pela única interpretação correta na afetada encenação deste filme. Mas a favorita parece ser mesmo Meryl Streep, a eterna “hors concours” que deve ganhar (depois de 17 indicações, com duas vitórias – a última desde 1982). Destaque para Rooney Mara, que constrói uma personagem complexa e introspectiva (das mais difíceis de se interpretar, uma vez que precisa transmitir seu interior através de olhares e mínimos gestos), apontando que a Academia reconhece o talento da promissora atriz ao indicá-la. Sobre Glenn Close ou Michelle Williams também não posso opinar, embora não estejam bem cotadas.

Ator Coadjuvante: Max Von Sydow… Ou Christopher Plummer… Pelo conjunto da obra e por serem sempre excelentes em qualquer papel há muitas décadas, sem nunca terem vencido.

Atriz Coadjuvante: Berenice Bejo, pela cativante atuação e sintonia com Dujardin – fundamental para “O Artista”. Acredito que Jessica Chastain tenha mais chances de vencer, embora sem a indicação por “A Árvore da Vida” em que realmente revela seu potencial. Entretanto, Octavia Spencer com sua caricatura em “Histórias Cruzadas” é a grande favorita nas apostas.

Não vi alguns dos indicados nas outras categorias e, assim, não me atrevo a opinar mais. Apenas ressalto o maravilhoso curta em animação (único a que assisti) “The Fantastic Flying Books of Mr. Morris Lessmore” que também evoca saudosismo, homenageando o cinema mudo de Buster Keaton. E aproveito para aplaudir antecipadamente a vitória do iraniano “A Separação”, de Asghar Farhadi, que parece certa e merecida como melhor filme estrangeiro. Esta obra tão necessária nos intolerantes dias atuais aborda a realidade com a logística de um bem articulado roteiro de ficção das mais envolventes. Nesse sentido, é curioso verificar que, em tempos de crise econômica e de falência de valores humanísticos, os indicados ao grande prêmio deste ano apresentem propostas temáticas que dialogam entre si, evidenciando uma espécie de visão do mundo atual oferecida pelo cinema (ao menos pelos selecionados para a premiação): o desencanto com a realidade e o incentivo ao lúdico, à reflexão e à valorização do mundo em que vivemos, tentando superar as dificuldades e seguir em frente. Afinal, “o show deve continuar”.