Buteco na Mostra: Pai

Buteco na Mostra: Pai.

KEN LOACH, EXPERIENTE CINEASTA BRITÂNICO, tem no currículo uma dezena de filmes dedicados a expor a miséria humana, em que personagens e famílias são devastados pelas mazelas sociais incorporadas por entidades privadas e públicas. São narrativas que comovem e revoltam na mesma medida. Em Pai (Otac, Sérvia, 2020), o diretor Srdan Golubovic desperta os mesmos efeitos.

Nikola (Goran Bogdan) é mais uma vítima da pandemia do trabalho informal (os desempregados que não estão na estatística). Uma hora, o dinheiro que alimenta os filhos não chega, e sua esposa comete um ato desesperado. Ao perder a guarda de sua família, o pai decide ir à capital Belgrado, a pé, para reavê-la. Numa sequência aterradora de episódios dramáticos, o silêncio com que a enfrenta marca a sua dimensão.

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Corrupção e indiferença

A exemplo das histórias de Loach, as instituições de Estado daqui também são guiadas pela burocracia e pela corrupção. Dos primeiros obstáculos, quando lhe é negado o direito de ver seus filhos, aos derradeiros (“A secretaria fecha às 14h, volte amanhã”), revela-se um mundo onde o cidadão não encontra qualquer compreensão na busca pela mínima dignidade – apenas a indiferença. Nos olhares de canto, como o da funcionária, constrangida, porém imóvel ao ouvir o burocrata (pretensamente poderoso) humilhar Nikola, é que a denúncia se dá. Há mais poder simbólico em momentos assim do que no próprio discurso execrável dessa figura, que podia se esperar. São cúmplices os que se envergonham, mas não reagem.

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O homem que diz “sou” não é

A trama se engrandece, contudo, na irrepreensível fidelidade ao seu personagem principal. Por mais revoltantes que sejam as situações que enfrenta, Nikola não se expressa indignado. Quando lhe perguntam se é o homem cuja história é contada no jornal, prefere o anonimato (muito embora pudesse sensibilizar alguém, caso se identificasse). Não grita ou se exalta em nenhum momento, exceto quando tocam no seu filho, e um grito engasgado, que parece carregar desde sempre no peito, surge. Sua única “causa” é ter a própria família de volta. 

A atuação de Goran Bogdan, maior ainda no silêncio, encarrega-se de transmitir esse sentimento, mas são as decisões da narrativa que guardam Pai na memória. Golubovic conhece a expressão da história que quer contar e abre mão de outros artifícios para seu ressalto. Como Nikola, a obra decide pelos silêncios, pois são eles que revoltam, embrutecem. Engasgam o grito do público, imóvel.

Nikola está, a par da indignação do espectador, fazendo algo. Provavelmente mais do que qualquer um, dos que estão do outro lado, seria capaz, ao encarar essa mesma realidade. É que ela engasga.

Veredito do Buteco

Buteco na Mostra: Pai

(Otac, Sérvia/França/Alemanha/Eslovênia/Croácia/Bósnia-Herzegovina, 2020. De Srdan Golubovic) ★★★★½