ELE ERA FESTEIRO, TINHA PROGRAMA DE TV, estrela na Calçada na Fama e um Prêmio Pulitzer na parede. E, quem diria, era crítico de cinema. Roger Ebert foi um desses caras maiores que a vida, que ultrapassou todos os limites da sua profissão e se tornou uma das maiores referências quando se fala de cinema. Por essas e outras é que ele virou o assunto do documentário Life Itself – A vida de Roger Ebert, que estreou no Brasil no Festival do Rio 2014.
Mas o filme já chega por aqui como um dos principais candidatos ao Oscar da categoria, e não é difícil compreender o porquê. Seguindo o caminho trilhado pelo vencedor desse ano, A um passo do estrelato, Life Itself é uma produção caprichada que faz de tudo para não deixar o espectador cair no tédio (e consegue). Mas, mais que isso, conta com uma história surpreendente e emocionante.
A emoção, é claro, fica por conta dos estágios finais da vida do jornalista, cercado pela família e, de perto, pela equipe do diretor Steve James. Sem ser invasivo demais ao mesmo tempo em que acompanha momentos muito pessoais, o documentário mostra a difícil rotina de cuidados que a condição de Roger exigia – resultado das cirurgias para a remoção de tumores que o deixaram sem mandíbula e sem poder comer, beber ou falar. Nada disso parecia fazer tanta falta para ele, que se comunicava por um programa de computador e estava quase sempre com um sorriso no rosto.
Já a surpresa vem por conta da vida bem vivida que Roger Ebert teve. Era difícil imaginar aquele senhorzinho de cabeça branca como um dos jovens repórteres mais presentes no bar próximo à redação do Chicago Sun-Times, jornal que o revelou como crítico. Muitos dos colegas que presenciavam essas noitadas e sua consequência – a admissão do alcoolismo e a ida ao AA, onde conheceu a esposa – aparecem no documentário. Outros personagens incluem o crítico do New York Times, A. O. Scott, e cineastas como Martin Scorsese (um dos produtores do doc) e Werner Herzog.
Alternando entre as entrevistas, as declarações do próprio Ebert feitas por meio do computador, de clipes de suas aparições públicas e de seu lendário programa de TV ao lado de Gene Siskel, o longa conta com a narração de trechos da autobiografia de Roger, também chamada Life Itself. O que fica claro em cada um desses depoimentos é que, se o documentário é feito com base na amizade de Steve James com o crítico e na reverência de muitos dos seus pares, não ficam de fora a rivalidade com Siskel, histórias envolvendo prostitutas e o auge do seu alcoolismo.
Mas nada disso parece importar mais, porque Roger Ebert entrou para a história como o crítico de cinema que falava de Bergman a Spielberg quase que com a mesma simplicidade de seus leitores; que conquistou também a internet, com um dos melhores sites de cinema do mundo e com uma presença marcante no Twitter e no Facebook; que ganhou um Pulitzer como crítico de cinema, um feito raro; que marcou a TV ao lado de Gene Siskel com seus polegares pra cima e decorou pôsteres de filmes com seus ‘joinhas’; e se tornou um dos mais prolíficos críticos na ativa – dos mais de 10 mil filmes que assistiu, resenhou cerca de 6 mil deles.
É por isso que Life Itself não é sobre um homem doente em seus momentos finais – ou pelo menos, não apenas sobre isso. É sobre o amor pelo cinema, pelas histórias e pelas palavras. Se o espectador não consegue se relacionar com sua condição de saúde e com suas conquistas, certamente se identifica com a paixão pela magia que acontece ali, naquela sala escura.