38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo #19
Quando Tsili tem início, observamos em um plano longo com a câmera fixa uma menina que, no meio de uma mata fechada, se esforça para extrair alimento de uma cachopa de plantas e raízes. Nós ainda não sabemos nada sobre aquela que logo se revelará a personagem-título do longa, apenas que ela se encontra em uma situação de isolamento e de fome extrema que a leva a agir como um animal – e se você já assistiu a dois ou três filmes do cineasta israelense Amos Gitai já vai não só reconhecer seu estilo, mas também imaginar que aquela é uma garota judia tentando sobreviver ao holocausto.
E é. Durante boa parte da projeção, Gitai usa seus longos planos característicos, normalmente com a câmera estática ou fazendo movimentos leves, para retratar o dia-a-dia de sua protagonista: reclusa em meio à mata fechada enquanto o som quase ininterrupto dos bombardeiros ecoa por todo lado, Tsili (Koenig) tem sua rotina alterada com o surgimento de um rapaz (Kashkar) que, também fugido de um campo de concentração, passa a tentar comunicar-se com ela e a convida a juntar-se a ele, dividindo a responsabilidade pela caça e pelas vigias noturnas e logo passando a cobiçá-la sexualmente.
Apresentando um excepcional trabalho de edição de som, que torna-se essencial em um filme silencioso e com poucos diálogos, Tsili até começa bem, confiando no espectador para compreender suas entrelinhas sem jogar suas mensagens em nossa cara de maneira óbvia e expositiva – até que, próximo da metade da projeção, Gitai decide jogar tudo para o alto e nos tratar como analfabetos cinematográficos, mastigando analogias como aquela envolvendo o “ninho” em que o novo casal se abriga através de diálogos auto-explicativos e absolutamente descartáveis.
Mas esse não é o principal problema do filme: refém de sua própria estética, Gitai parece dirigir no piloto automático – e todas as longas sequências iniciais ambientadas na mata parecem ter sido filmadas através de apenas duas perspectivas: um plano conjunto enquadrando os personagens de frente para as cenas diurnas e um plongeé que os observa de cima, como se do ponto de vista de possíveis algozes que os sobrevoam de helicóptero, para as cenas noturnas. Não que a proposta minimalista do projeto exigisse grandes invencionismos visuais, mas, do jeito que dirige o longa, Gitai o “diminui” a ponto de faze-lo parecer uma peça filmada.
Com um terceiro ato nada sutil que representa a tentativa final do diretor de se certificar que o espectador compreendeu seu discurso, Tsili desperdiça até mesmo a oportunidade de discutir um tema universal e extremamente complexo que esboça nascer do drama de sua protagonista: a relação de dependência desenvolvida por uma garota oprimida em relação a seu opressor, que, em um caso extremo como esse, representa sua única fonte possível de calor humano.
Tsili (Idem, Israel, 2014). Escrito e dirigido por Amos Gitai. Com Leah Koenig, Andrei Kashkar e Adam Tsekhman.