Crítica: Queen & Country – Mostra de SP

38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo #17


queen and country cinema de buteco

O maior risco que um filme autobiográfico pode correr é cair na armadilha de dedicar-se com tamanha paixão a memórias pessoais e subjetivas que o resultado final visto na tela acabe soando relevante apenas para seu próprio diretor, falhando em conectar-se narrativamente com seu público. Esse não era o caso do evocativo Esperança e Glória, que o veterano diretor britânico John Boorman dirigiu em 1987, mas, infelizmente, é o de sua continuação: nitidamente realizado com carinho, Queen & Country não consegue criar nenhum conflito palpável durante seus 105 minutos de projeção, revelando-se um filme bonitinho e nostálgico, mas também tolinho e inofensivo.

Escrito pelo próprio Boorman, o longa se propõe a traçar um retrato da adolescência da geração pós-Segunda Guerra Mundial (Esperança e Glória se concentrava na infância da mesma em meio ao conflito), inspirando-se em histórias vividas pelo próprio cineasta para criar a trajetória do tímido Bill Rohan (Turner), que deixa os pais, a irmã Dawn (Kirby) e uma vida confortável em sua casa espaçosa em uma pequena ilha para servir o exército na Guerra da Coréia. Rapidamente iniciando uma amizade com o irreverente Percy (Jones) e as espevitadas Sophie (Edwards) e Peggy (Rizea) e se apaixonando platonicamente pela misteriosa – e claramente triste – Ophelia (Egerton), ele inicia a projeção como um menino medroso e sem ambição, sendo transformado pela vida no quartel e se tornando um homem determinado e seguro de suas convicções.

Iluminado pela fotografia ensolarada de Seamus Deasy, Queen & Country tem início como uma comédia de guerra, com direito a capitães mau humorados que ditam as regras do exército com uma entonação exageradamente rígida (e buscando o riso do espectador com isso), trapalhadas físicas e “pegadinhas” aprontadas por Bill e Percy, se transformando, em sua segunda metade, em um romance clichê envolvendo um jovem imaturo e idealista e uma mulher machucada por um parceiro que a maltrata e que se sente atraída pela pureza da devoção de seu novo admirador – e por mais que a trama mereça elogios por tentar manter os pés no chão ao jamais ocultar o fato de que Ophelia apenas chega perto de se apaixonar pelo protagonista, a personagem de Tamsin Egerton é uma mulher tão aborrecida que tudo o que queremos ao longo da projeção é que ela termine logo aquela relação para que não precisemos mais assistir a seus escândalos e demonstrações de “manha”.

É impossível negar que Boorman e sua equipe criam aqui uma recriação repleta de nostalgia dos anos 50 nos Estados Unidos – e muito de seu tom inocente (até demais, inclusive) vem do fato de enfocar uma geração que ainda não havia sido exposta ao cinismo que dominaria seu país a partir da década seguinte -, mas, do ponto de vista narrativo, o cineasta peca por abordar um protagonista passivo e reativo (ele não tem grandes objetivos nem conflitos a resolver, tendo como lema apenas continuar vivendo e fazendo o melhor com as situações que se apresentam à sua frente), contagiando o espectador com uma sensação de apatia que não lhe permite temer, torcer ou nutrir qualquer tipo de expectativa quanto ao destino daquele rapaz.

Para piorar, o elenco de Queen & Country mostra-se homogeneamente limitado: do desconhecido Callum Turner, que vive Bill de maneira apática e pouco expressiva, ao promissor Caleb Landry Jones, que encarnou com intensidade o perturbando protagonista de Antiviral, suspense dirigido por Brandon Cronnenberg (filho de David) que passou na Mostra alguns anos atrás, e que aqui chega a irritar com a mania de seu personagem de falar sempre gritando (e com aquele tipo de voz fanha dos pré-adolescentes), os rostos que percorrem o longa raramente conseguem nos encantar, despertar nosso interesse por suas personalidades ou mesmo fazer com que nos mantenhamos interessados em sua trajetória.

De certa forma, é até natural que um senhor de 81 anos dirija um filme nostálgico, mas frouxo como este; ainda que para os cinéfilos seja igualmente inevitável lamentar que o último projeto comandado pelo diretor de obras-primas como À Queima Roupa e Amargo Pesadelo (mas também de desastres monumentais como Zardoz e O Exorcista II: O Herege, não podemos nos esquecer) seja um draminha água com açúcar que será imediatamente lançado no esquecimento.

poster queen and country

Queen & Country (Idem, Reino Unido, 2014). Escrito e dirigido por John Boorman. Com Callum Turner, Caleb Landry Jones, Pat Shortt, David Thewlis, Richard E. Grant, Vanessa Kirby, Tamsin Egerton, Aimee-Ffion Edwards, Miriam Rizea, Sinéad Cusack, David Hayman, John Standing e Brian F. O’Byrne.