38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo #2
Desde que decidiu dedicar sua carreira a thrillers policials envolvendo crimes mal resolvidos, o cineasta Atom Egoyan ainda não acertou a mão. Mas se O Preço da Traição era uma bagunça completa e o recente Sem Evidências, que resgata parte da trama dos “Três de Memphis” (cujo caso de injustiça judicial foi apresentado ao mundo pela magnífica trilogia de documentários Paradise Lost), não conseguiam criar a mínima tensão mesmo baseando-se em uma história complexa e cheia de reviravoltas, este A Procura até começa bem – isso, claro, até seu diretor começar a sabotar o projeto através de escolhas narrativas desastradas e desdobramentos inverossímeis.
Escrito por Egoyan ao lado de David Fraser, o longa gira em torno do ex-casal Matthew (Reynolds) e Tina (Enos), que, seis anos após o desaparecimento de sua filha Cass (Kennedy) aos dez anos de idade, ainda lutam para encontrá-la. Sem conseguir perdoar o ex-marido que deixou a garota sozinha no carro em frente a uma doceria no dia de seu provável sequestro, esta última se encontra regularmente com a policial Nicole (Dawson), cujo novo assistente e possível amante, o impulsivo Jeffrey (Speedman), desconfia que o próprio Matthew pode estar envolvido no crime. Enquanto isso, Cass (agora vivida por Alexia Fast) vive aprisionada em uma casa espaçosa, mas repleta de câmeras e monitores onde é constantemente vigiada pelo sinistro Mika (Durand, óbvio), com quem mantém uma relação surpreendentemente amigável. Para fechar a teia de relações em que todos coincidentemente se entrelaçam, descobrimos que Mika trabalha justamente para o empresário Vince (Greenwood), que é casado com… sim, Nicole.
Alternando-se entre o drama de Matthew e Tina e o dia-a-dia de Cass (que parece se limitar a longas tardes em frente a um monitor onde acompanha a vida dos pais) e ocasionalmente quebrando sua cronologia para fins dramáticos (e aqui Egoyan e a montadora Susan Shipton merecem elogios por não chamar a atenção para os saltos na cronologia da trama), o roteiro de A Procura paga o preço por sua estrutura ao permitir que o espectador tenha várias informações que costumam ser apresentadas apenas no desenrolar da narrativa – como sabemos desde o início que Cass está viva, por exemplo, boa parte do mistério que a história poderia conter é imediatamente eliminada.
É justamente por perceber a dificuldade de seu filme de criar suspense, aliás, que os roteiristas decidem plantar algumas pistas falsas ao longo da projeção com o intuito de despertar dúvidas na cabeça do espectador (como no momento em que um depoimento acusa Matthew de ter chegado sozinho, e não com a filha, à doceria no dia do desaparecimento), abandonando-as completamente assim que elas não são mais necessárias para suprir as necessidades imediatas do roteiro. Em outros momentos, o longa esconde informações de maneira descarada a fim de não permitir que saibamos o que os personagens sabem (percebam, por exemplo, que quando Nicole mostra uma foto que pode ser de Cass à sua mãe Egoyan simplesmente não mostra a tela do computador a fim de não revelar ainda se eles realmente a encontraram, escancarando a manipulação do roteiro de forma óbvia e, por isso mesmo, decepcionante).
Porque se há algo que Egoyan não consegue ser é sutil: drama com “D” maiúsculo, A Procura é daqueles filmes em que há sempre uma tecla de piano sendo insistentemente tocada, uma foto no painel do carro que mostra o quanto o personagem sente falta de um ente querido e um ou outro diálogo expositivo que se encarrega de dizer ao espectador mais desatento o que os personagens estão sentindo (não há uma única conversa que Tina tenha com Matthew ao telefone em que a moça não lance acusações do tipo: “Foi isso que aconteceu com a nossa garotinha quando você a abandonou!”). Aliás, a própria cena que abre a projeção, em que Mika, com seu cabelo engomado e seu bigode esquisito, anda lentamente ao som de música clássica e falando em um tom de voz baixo e suave, já prenuncia a falta de sutileza do longa ao apresentar seu vilão como uma caricatura saída diretamente de um filme do 007.
Protagonizado pelo sempre subestimado Ryan Reynolds como um sujeito de mente simples e ambições limitadas, mas um coração profundamente amável, e pela igualmente competente Mireille Enos como uma mulher embrutecida pela dor da perda que sequer consegue mais sorrir, o longa conta com um elenco extremamente eficiente, que traz ainda Rosario Dawson interpretando uma mulher durona e determinada como são suas melhores personagens (ainda que a subtrama envolvendo o seu sequestro seja completamente descartável) e a jovem Alexia Fast vivendo uma Cass misteriosa que jamais deixa claras suas reais intenções tanto com Mika quanto com o pai em um breve encontro (do ponto de vista do elenco, o elo mais frágil acaba sendo o de Scott Speedman, um sub-Hugh Jackman não muito expressivo).
Atingindo o fundo do poço ao mostrar que o esquema de monitoramento da quadrilha comandada por Vince envolve câmeras full-HD que gravam vídeos em 1080p em qualquer lugar por onde Matthew passe (mesmo nas regiões mais isoladas em meio à neve), A Procura até consegue estabelecer um clima melancólico através de suas paisagens congeladas e fazer com que gostemos de seu protagonista, mas acaba mostrando-se um suspense frio também em suas tentativas frustradas de envolver o público na trama que se propõe a desenvolver.
(The Captive, Canadá, 2014). Dirigido por Atom Egoyan. Escrito por Atom Egoyan e David Fraser. Com Ryan Reynolds, Scott Speedman, Rosario Dawson, Mireille Enos, Kevin Durand, Alexia Fast, Peyton Kennedy, Bruce Greenwood, Brendan Gall, Aaron Poole, Jason Blicker e Aidan Shipley.
Confira também o vídeo de Larissa Padron para o filme na cobertura do Festival de Cannes.