Nabat (Idem, Azerbaijão, 2014). Dirigido por Elchin Musaoglu. Escrito por Elchin Musaoglu e Elkhan Nabiyev. Com Fatemeh Motamed Arya, Vidadi Aliyev, Sabir Mamanov e Farhad Israfilov.
38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo #11
A primeira cena de Nabat, pré-candidato do Azerbaijão ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2015, mostra a velha camponesa que dá título ao longa caminhando vagarosamente com baldes de leite nas mãos em direção à câmera. Mantendo a objetiva na personagem que se aproxima, o diretor Elchin Musaoglu só começa a movê-la lentamente quando a senhora abandona o nosso campo de visão, iniciando uma panorâmica que, segundos depois, voltará a enquadrá-la enquanto ela faz uma curva e começa a descer um morro alto em meio à cadeia de montanhas que a cerca. São poucos minutos que deixam bem clara a maneira com a qual o cineasta abordará sua narrativa, investindo no silêncio e na contemplação para retratar o cotidiano de uma das mulheres mais tristes que já vi em uma sessão de Cinema.
À medida em que a trama se desenrola, descobrimos que aquele leite, tirado da única vaca que lhe restou, é a única fonte de renda de Nabat (Arya), que, responsável por sua própria alimentação e a do marido Iskender (Aliyev), que se encontra adoentado em estado terminal (e basta ouvi-lo tossir uma única vez para compreendermos que aquele é um dos últimos dias de sua vida), percorre longos quilômetros diariamente de sua casa rústica no topo da montanha a um pequeno povoado onde o vende a um mercador piedoso, ruminando a cada passo a dor pela perda do filho único para a guerra (o longa se passa no início dos anos 90 em meio a uma das diversas batalhas que marcaram o território da antiga União Soviética em seus anos derradeiros).
Apropriando-se narrativamente do visual entristecido das montanhas secas e ventosas que assolam sua protagonista, Nabat é um filho ainda mais puro do maravilhoso Cinema Novo Romeno de Cristi Puiu e Cristian Mungiu que A Ilha dos Milharais, que também está sendo exibido nesta edição da Mostra. E é um filho que faz jus aos pais que tem, já que a brilhante direção de Misaoglu, baseada em planos longos e em uma câmera na mão que busca extrair a verdade de seus personagens através de sua crueza sem artifícios, cria uma atmosfera dura que ao invés de dramatizar a extrema pobreza em que sua protagonista se encontra (como é triste vê-la preparar um “grude” feito de farinha, água e sal para alimentar o marido acamado), a retrata com a mesma impiedade que o lobo que ronda diariamente aquele casebre.
Do ponto de vista socioeconômico, o longa funciona como uma verdadeira viagem ao passado, de tão rústicas que são as casas e construções pelas quais sua protagonista passa e de tão desigual que é a sociedade em que elas se encontram – e chega a ser curioso entreouvir os personagens conversando sobre a alta diária dos preços dos alimentos devido à inflação disparada em um país à beira do colapso. A desesperança representada pela precariedade da vida de Nabat, que nem energia elétrica tem para preparar seu “grude”, aliás, ecoa a todo momento no som melancólico das ventanias e bombas que compõem uma verdadeira sinfonia todas as noites nos arredores, lembrando aquela pobre mulher do único motivo que um dia já teve para esboçar um sorriso.
Com uma sensibilidade peculiar que certamente agradará a poucos, Nabat é um drama extremamente triste sobre uma mulher miserável e invisível cujas marcas profundas no rosto e calos duros nas mãos e nos pés revelam uma existência resumida a trabalho, suor e lágrimas reprimidas.