38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo #50
Quando tenta ser um estudo de personagem sobre uma menina humilde que enfrenta as primeiras mudanças hormonais da pré-adolescência enquanto já carrega uma enorme responsabilidade pelo micronegócio da família, As Maravilhas é um filme doce e sensível cuja força reside em sua carismática protagonista mirim; já quando se esforça para inserir seu drama principal no contexto dos reality shows, o novo trabalho da roteirista e diretora italiana Alice Rohrwacher não consegue ser nada além de óbvio e redundante – ainda mais porque o ótimo Reality, de seu conterrâneo Matteo Garrone, se mantém tão relevante e conclusivo acerca do tema.
Gelsomina (Lungu), cujo nome você ouvirá o tempo todo ao longo da projeção uma vez que seus pais Angelica (Alba Rohrwacher, irmã de Alice) e Wolfgang (Louwyck) parecem incapazes de fazer qualquer coisa sem ela, é uma garota de cerca de treze anos de idade que, “gerente” da apicultora da família, que ainda conta com suas duas irmãs mais novas e a amiga Cocò (Timoteo), vive na zona rural da região da Toscana. Certo dia, ao passar pelo set do reality show “O País das Maravilhas”, que premia as melhores empresas familiares do país, ela se encanta pela apresentadora Milly Catena (Bellucci) e passa a insistir aos pais para inscrevê-los no programa.
Dona de olhos vivos e inteligentes e de uma expressividade encantadora, a jovem Maria Alexandra Lungu vive Gelsomina como uma garota forte que, acostumada ao trabalho braçal e à falta de vaidade, enxerga na voluptuosa Milly a representação de seu próprio despertar como mulher – e nesse sentido, não é à toa que o roteiro de Rohrwacher substitua sua primeira metade focada na atividade suja, exaustiva e degastante da produção do mel pelo ambiente primordialmente visual do show business ao mesmo tempo em que a protagonista começa a se atentar para sua própria imagem diante do espelho e do garoto recém adotado por sua família.
Acostumada pela rigidez das cobranças do pai a se preocupar única e exclusivamente com o volume da produtividade em detrimento à higiene ou mesmo à segurança de suas irmãs e de si mesma (ao chegar ao hospital em que uma delas tratará um corte na mão, sua primeira lembrança é a de um balde que provavelmente não foi trocado), Gelsomina tem sua infância roubada pelas difíceis condições financeiras de sua família e, mais ainda, pela exploração daqueles que deveriam priorizar sua educação – e não deixa de ser decepcionante que As Maravilhas apenas ameace abordar o tema extremamente pertinente do trabalho infantil.
Mais um longa europeu que reflete a profunda crise econômica que o continente está vivendo (apesar de sua trama aparentemente se passar nos anos 60), As Maravilhas apresenta uma personagem da qual é difícil não gostar e conta uma história eficiente sobre uma família pobre cuja luta é a sobrevivência, mas derrapa em um terceiro ato deslocado que, se prolongando muito além do necessário, apenas chove no molhado ao tentar discutir as ilusões promovidas pela televisão, além de tentar criar um suspense de última hora apenas para resolvê-lo minutos depois e permitir que o espectador deixe a sala de exibição com uma sensação de resolução.
Confira também o comentário de Larissa Padron para o filme, da cobertura do 67º Festival de Cannes.
As Maravilhas (Le Meraviglie, Itália, 2014). Escrito e dirigido por Alice Rohrwacher. Com Maria Alexandra Lungu, Alba Rohrwacher, Sam Louwyck, Sabine Timoteo, Agnese Graziani e Monica Bellucci.