Crítica originalmente publicada na cobertura da Mostra de São Paulo.
Em Acima das Nuvens, Juliette Binoche vive a atriz Maria Enders, que, “cansada de atuar pendurada em um cabo de aço em frente à tela verde”, continua em busca de novos desafios em sua carreira enquanto começa a sofrer o preconceito que a indústria cinematográfica nutre por mulheres acima dos quarenta anos: ainda lembrada pela personagem que lançou sua carreira na adaptação da peça “A Serpente de Maloja” mais de duas décadas atrás, ela já está naquela fase em que só lhe oferecem papéis de matronas, mães das “mocinhas” e antagonistas ressentidas – e a gota d’água, para ela, cai quando o jovem e aclamado diretor Klaus Diesterweg (Eidinger, um sósia de Christopher Nolan, o que não acredito ser por acaso) a convida para atuar justamente na continuação de “A Serpente”, interpretando agora a mulher “mais velha” cujo coração é destruído pela jovem cruel que, vivida por ela no início da carreira, agora receberá o rosto da “nova Lindsey Lohan” Jo-Ann Ellis (Moretz).
Os comentários feitos pelo roteirista e diretor francês Olivier Assayas (Carlos, Depois de Maio) acerca da superficialidade do Cinema contemporâneo, aliás, são justamente o ponto fraco de seu novo projeto: jamais oferecendo um insight realmente novo ou uma observação minimamente original sobre o tema, Assayas prefere insistir no óbvio, atacando a supervalorização dada pelo “Cinemão” americano aos efeitos especiais em detrimento às boas histórias e ao desenvolvimento de seus personagens, criticando o culto às celebridades e a pratica cada vez mais comum entre ídolos teen de atrair a atenção dos papparazzi intencionalmente apenas para fugir deles depois e dar entrevistas reclamando do assédio excessivo imposto pela mídia e chegando a satirizar de maneira reducionista e mesmo grosseira a suposta falta de inteligência dos filmes comerciais de fantasia e ficção científica, que, se em sua maioria são mesmo medíocres como Arte, não merecem uma generalização tão infantil.
Por outro lado, o roteiro atira para tantos lados que, aqui e ali, acerta um ou outro alvo mais certeiro em suas críticas sobre a banalização da informação apurada e do pensamento crítico em nossa sociedade contemporânea, como no momento em que Valentine, a assistente geek da protagonista, lê os comentários sobre a morte do dramaturgo que deu à sua chefe sua primeira oportunidade à frente das câmeras publicadas pelos leitores de um grande portal e o show de horrores que eles representam não fica muito atrás daqueles que estamos acostumados a ver em sites como UOL, Terra e G1.
É verdade que Assayas também está preocupado em abordar outros conflitos contemporâneos em Acima das Nuvens, como o choque de gerações que se dá entre Enders e Valentine, que, empunhada de seus smartphones e gadgets tecnológicos, executa um milhão de tarefas ao mesmo tempo e se comunica em uma velocidade quase incompreensível que parece surgir de uma necessidade angustiante de tentar acompanhar o ritmo frenético da avalanche de informações que ela recebe a cada minuto – e não deixa de ser surpreendente que Kristen Stewart, que já havia feito bons trabalhos em filmes como Corações Perdidos e Na Estrada, esteja tão à vontade em cena, criando uma personagem real e que representa bem o fantasma da juventude que ronda os pesadelos de sua chefe e que, apesar dos tiques habituais da atriz, como mexer incessantemente no cabelo, morder os lábios, gaguejar e dar pequenos suspiros para mostrar-se ansiosa ou confusa, muitas vezes atua como a única “voz da razão” em um universo em que o bom senso é constantemente entorpecido pela inflação dos egos (ela é a única capaz, por exemplo, de ouvir a chefe dizer que gostou de determinado casal e retrucar: “É claro que você gostou deles; eles te bajularam a noite inteira”).
Mas é evidente que o grande centro do projeto é a personagem interpretada de maneira sensível e tocante por Juliette Binoche, que a transforma em uma figura triste que passa a entrar em um estado de desespero cada vez maior à medida em que confronta a própria brevidade. É uma pena, mais uma vez, que Assayas perca a mão não só ao colocá-la em situações clichê como a sessão de fotos em que seu sorriso e seus acessórios Chanel contradizem sua dor interior, mas também ao tentar entrecruzar a trama “superficial” de seu roteiro com a peça-dentro-do-filme ensaiada pela protagonista com o auxílio de Valentine, se esforçando para criar um estudo metalingístico que só consegue soar óbvio e previsível do início ao fim da projeção.
Falhando ainda ao não conseguir se concentrar nem mesmo nos diversos focos que escolhe para si, se desviando para digressões acerca das “serpentes” de nuvens formadas em Sils, investindo em personagens secundários que poderiam muito bem ser cortados da narrativa (como o cafajeste Henryk, vivido por Hanns Zischler, que partiu o coração de Enders na juventude) e incluindo subtramas igualmente descartáveis como aquela envolvendo o suicídio da esposa de um amante de Jo-Ann, Acima das Nuvens é um filme cheio de ideias que nem sempre são genuinamente interessantes ou bem desenvolvidas. Talvez se decidisse se concentrar apenas no drama de sua protagonista diante da constatação de que seu tempo de musa está com os dias contados, o longa não fosse tão irregular.
Acima das Nuvens (Clouds of Sils Maria, França, 2014). Escrito e dirigido por Olivier Assayas. Com Juliette Binoche, Kristen Stewart, Chloë Grace Moretz, Lars Eidinger, Johnny Flynn, Angela Winkler e Hanns Zischler.