Xaveco de Buteco: Conto #8 O homem que atravessou a ponte

A lenda dizia que depois da ponte havia um lago amaldiçoado. E que o lago amaldiçoado realizava dois desejos daqueles que nele mergulhavam. E que dentre os desejos; um deveria ser bom e o outro, ruim. E que o desejo ruim deveria ser mais poderoso que o desejo bom. E que o desejo bom deveria ser para um outro alguém, enquanto o desejo ruim deveria ser para si próprio. E que as águas não devolviam os corpos daqueles que tentavam burlar as regras.

A lenda dizia que depois do lago havia uma cabana assombrada. E que na cabana assombrada vivia um centenário feiticeiro. E que o feiticeiro realizaria todos os desejos daquele que solucionasse o seu enigma. E que para ouvir o enigma, era preciso apresentar um familiar como sacrifício. E que o familiar deveria ser cristão, puro de coração e reto nas atitudes. E que o feiticeiro não devolvia os corpos daqueles que errassem o enigma, que era impossível.

A lenda dizia que depois da cabana havia uma floresta diabólica. E que a floresta diabólica queimava toda a pele dos mentirosos e explodia seus olhos. E que aquele que conseguisse atravessar ileso seria proclamado rei da mata, receberia sete virgens para seu total deleite e um tesouro de valor incalculável, como prêmio pela sua honestidade. E que um pouco antes, na entrada da floresta, havia um clérigo milagreiro. E que o clérigo seria capaz de transformar o mentiroso em pessoa franca, ouvindo todas as mentiras e repassando-as para a população, para que pudesse atravessar a floresta. Mas a lenda também dizia que a floresta não devolvia os corpos de quem esquecia de confessar alguma mentira.

A lenda diz que ninguém jamais atravessou a ponte. E que ninguém jamais mergulhou no tal lago. E que ninguém jamais conheceu o feiticeiro e o clérigo. E que ninguém jamais resolveu os enigmas e confessou suas inverdades. E que ninguém jamais atravessou a floresta. Exceto Lourival.

A lenda diz que Lourival encheu a cara de cachaça num domingo. E que colocou um sobrinho debaixo do braço e atravessou a ponte. E que desejou que todas as suas mentiras viessem à tona e que o moleque não sentisse mais dor alguma enquanto vivesse. E que entregou o garoto ao feiticeiro e acertou o enigma proposto. E que confessou todas as suas mentiras, que já estavam na ponta da língua, ao clérigo, e chegou intacto do outro lado, onde recebeu a coroa, o tesouro, as virgens e uma inesperada herança: foi atormentado até o fim dos dias pela culpa da morte do sobrinho, o que o levou a se jogar no rio com pedras nos bolsos e com a coroa na cabeça.

A lenda não explica como os detalhes da aventura de Lourival chegaram ao vilarejo. O que se sabe é que ele e seu sobrinho descumpriram o acordo de não atravessar a ponte da fazenda e jamais foram vistos novamente. E que suas mentiras estão expostas na praça da chibata, que fica ao lado da ponte. A ponte que corta as terras do senhor do engenho.