O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de Todos Nós Desconhecidos possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
Adam (Andrew Scott) é um homem de trinta e poucos anos, que vive em um moderno apartamento com uma linda vista para cidade de Londres, e durante uma manhã silenciosa tenta se concentrar para escrever algo sobre seus pais, mas sua paz é interrompida quando o único vizinho do prédio bate à sua porta, Harry (Paul Mescal), um jovem homem gay que flerta deliberadamente com ele, que também é gay, mas recusa o convite inicial, apesar do nítido interesse, esse flerte cresce com o passar dos dias. Enquanto isso, Adam decide visitar a casa em que morava com seus pais aos 12 anos, antes do acidente que matou os dois, ao tocar a campainha, ele é surpreendido com presença de sua mãe (Claire Foy) e de seu pai (Jamie Bell), que possuem a mesma idade que tinham quando ele era criança.
Os quatro personagens citados acima são os únicos durante todo o filme, logo se entende que a intenção é se aprofundar na relação entre todos eles com o protagonista. Todos Nós Desconhecidos é uma sessão de terapia, que convida o espectador a reencontrar quem foram seus pais no passado, e confrontá-los/amá-los com a personalidade/idade que temos atualmente. Esse é um exercício interessante e perigoso no cinema, pois era grande a chance de cair em um óbvio melodrama.
O diretor Andrew Haigh (45 Anos) cria um thriller dramático, com uma montagem muito interessante, que guia o espectador através de seu ritmo, as vezes profundamente dramático, as vezes empolgante, as vezes acolhedor, e as vezes assustador. Esse ritmo também é guiado através das músicas, elas possuem um papel fundamental na obra, principalmente a versão de Pet Shop Boys para “Always On My Mind”, momento extremamente emocionante onde a letra da música é declamada por um dos personagens, mas esse momento de extrema emoção se transforma em outra coisa ainda com a canção sendo tocada, de acordo com a montanha russa de sentimentos em que o protagonista atravessa. Apesar do poder emocional da letra, essa não é única razão pela qual ela está presente na trilha, Pet Shop Boys foi muito popular nos anos 80, e é uma das lembranças da infância de Adam, era justamente ouvir a canção durante o Top of the Pops, popular programa musical britânico da época. Além disso, a banda é um ícone da cultura gay, ponto focal da trama, que reflete sobre traumas e evolução da comunidade lgbtqia+.
Não me recordo qual foi o último filme que vi em que todos as atuações centrais eram dignas de Oscar, mas isso acontece aqui, acho que chorei com todos, mas claro que especialmente com a brilhante performance de Andrew Scott, sua entrega é de uma delicadeza, suas lágrimas sutis pareciam realmente revelar uma dor de alma, será uma grande injustiça se esse homem não estiver entre os indicados a melhor ator em 2024.
Todos Nós Estranhos é um desses filmes que também refletem muito seu lugar de origem, no caso a Inglaterra, ele retrata a Londres contemporânea, homenageia Top of the Pops, coloca o Billy Elliot mais velho em um dos melhores papéis de sua carreira, toca Blur, filma lindamente o metrô, etc. Se eu fosse britânico eu teria um puta orgulho desse filme.
O filme esteve em cartaz no Festival do Rio e será distribuído pela 20th Century Studios Brasil, mas ainda sem data de estreia definida.