A Maldição das Cinco Caipirinhas – Capítulo 6 – Acabou o Recreio

A Maldição das Cinco Caipirinhas é a primeira obra de ficção colaborativa do Cinema de Buteco. São 10 capítulos de 10 autores diferentes, publicados toda quinta-feira, que contam a história de Orson, um cinéfilo bêbado que conhece uma garota no Tinder e se envolve numa trama tresloucada e improvável. Leia os capítulos anteriores aqui.

Além de continuar a história, cada autor deverá encaixar uma citação cinematográfica no meio do texto. Neste capítulo 6, Joubert Maia precisou colocar:

“Às quartas-feiras, nós usamos rosa.”
(Meninas Malvadas)

Capítulo 6 – Acabou o Recreio

por Joubert Maia

Quarta-feira – 13:00

Um ingresso de um filme do futuro no meu bolso? Que porra era essa? Alguém estava zoando com a minha cara? Será que eu realmente estava na zona além da imaginação? Viagem no tempo? Vazamentos de superproduções como rolaram com a HBO e a Sony há algum tempo?

Caminhamos mais um pouco.

Quem já andou a cavalo sabe que se você solta as rédeas eles voltam direto pro pasto. E foi mais ou menos isso que aconteceu conosco: quando assustamos estávamos na porta de um McDonald’s.

– Cara, tô morrendo de fome, vamos comer algo?

– Finalmente uma coisa inteligente saiu dessa sua boca.

Quando nos sentamos, tirei os bilhetes do bolso e mostrei pro Barretto.

– BICHO, OLHA ESSA MERDA AQUI!

Cinéfilo como só ele mesmo, imediatamente falou:

Lady Jane? 2027? Acho que isso tá errado, hein. Que eu saiba o filme é de 1986, inclusive tem a Helena Bonham Carter novinha!

– Velhinho, do jeito que as coisas estão estranhas, eu não duvido de mais nada – respondi.

– Será que eles estão bolando um remake? Será que você viajou para o futuro pra assistir a um remake? – e deu uma risada debochada.

– Para com isso, bicho. Eu tô aqui maluco tentando entender tudo que tá acontecendo na minha vida, tô me sentindo parte de Se Beber, Não Case tentando juntar as peças, esse monte de ponta solta está me deixando maluco, esse filho da puta desse garçom maluco EM CIMA DA PORRA DE UM PRÉDIO jogando essas bostas dessas caipiroskas nas nossas cabeças… Eu sinceramente não sei nem por onde começar, pra tentar entender alguma coisa… Começo a pensar que o melhor a fazer é voltar pra casa, atualizar meu LinkedIn, procurar um emprego novo e deixar toda essa merda pra lá! Não vou conseguir entender o que tá acontecendo aqui.

– Orson, seu animal, você está me dizendo que tudo começou quando você foi encontrar com essa tal de como é o nome dela mesmo? Patrícia?

– Claudia.

– Pois é. Depois desse encontro é que tudo começou a desandar, e essa versão tupiniquim do Giamatti era garçom nesse lugar?

– Sim.

– E você se lembra de algo que possa ter acontecido pra ele ficar com tanta raiva de você a ponto de sair lhe atirando caipiroskas?

– Bem, nós tivemos uma conversa muito estranha quando eu estava saindo do buteco. Ele me ofereceu uma bebida por conta da casa e eu fiquei com medo de ter alguma coisa dentro daquela merda e não aceitei. Mas não acho que isso é motivo para ele fazer o que estava fazendo.

– Não duvide das pessoas, meu queridão. Tem cada pessoa com merda no lugar do cérebro andando por aí que você ficaria até assustado.

Terminamos de lanchar exatamente às 13:23. Não tinha percebido que eu já estava há quase 24 horas sem comer nada, tanto que mandei pra dentro um Big Mac e um Royale with Cheese. Isso é muito mais do que eu estou acostumado a comer, mas do jeito que estava faminto deu pra ficar de boa.

– Eu sei é de uma coisa, Orson. Seria uma boa se nós fôssemos de novo nesse buteco ter uma conversinha com esse barbudinho filho da puta.

– Você acha que seria prudente fazer isso? O cara é maluco!

– Porra, você quer andar por aí com medo de um imbecil? Vamos lá ensinar uma lição a esse cretino.

– Você é foda, cara! Vamos ensinar uma lição pra esse filho da puta.

– Hoje à noite. Passo na sua casa e a gente vai. Esteja pronto.

– Oito horas?

– Combinado.

Cada um de nós tomou o seu rumo pra casa.

Tentei descansar um pouco e colocar a cabeça no lugar montando um quadro de tudo que tava acontecendo. Será que esse maldito ficou realmente chateado por que eu não aceitei a última caipirinha? Por que ele estava atirando caipiroskas em mim? Que confusão é essa que tava acontecendo com a Claudia e a Daniela?

Acabei dormindo.

***

Quarta-feira -19:30

PUTA MERDA! Levantei assustado.

Ainda bem, o Barretto estava chegando dali a pouco. E de fato foi pontual, às 19:58 tocou o interfone. Atendi e não perdi a oportunidade de zoar com o cara.

– Só vou soltar um barretão e já desço.

– Vai se fuder, seu porco.

Quando cheguei na portaria ele já estava lá, parecendo o Shaun de Todo Mundo Quase Morto com uma roupa social e um taco de críquete balançando por cima do ombro.

– Que roupa é essa, cara? E esse taco?

– Tive uma reunião e não deu tempo de passar em casa. Se você dá um tiro num cara, você pode matar. Com esse taco a gente pode fazer ele sangrar e muito, mas sem matar.

– Você acha que isso é realmente necessário?

– Claro que não, hoje é quarta, às quartas-feiras nós usamos rosa. PORRA, ORSON! A gente quer botar uma pressão no maluco! É óbvio que vamos, se não usar a violência, pelo menos mencioná-la para assustar.

Fomos rumo ao barzinho.

***

– Barretto, como vamos fazer?

– O plano é o seguinte: vamos chegar lá, encontrar o filho da puta e levar ele pra fora pra termos uma conversinha.

– Mas vamos entrar lá armados assim?

– Não, na verdade eu vou entrar. Ele não me conhece, você fica no estacionamento me esperando.

– Ah, genial. E como você vai trazê-lo aqui pra fora?

– Bicho, deixa com o papai.

***

Chegamos, Barretto entrou e eu fiquei esperando no carro, o coração a mais de mil. Será que ia precisar usar esta arma?

De longe ouvia-se um barulho muito maior do que no dia em que vim encontrar com a Claudia. Havia vários carrões parados na porta. Aparentemente rolava algum evento, pois a música era muito alta. Eu não conseguia entender muito bem a movimentação. Estava maluco olhando fixamente esperando o Barretto voltar.

De repente ouvi alguém batendo no vidro do carro.

– Eu sou uma ursinha macia!

Era o gordão peludo do buteco. Que quase me matou do coração.

– Que isso, velho! Tá ficando maluco? Sai daí!

Então ele bateu de novo.

– Eu sou uma ursinha macia!

– Que coisa mais maluca! Sai daqui, cara! Vaza!

Quando fiz a menção de pegar a arma que estava sob o banco no porta-trecos na lateral do carro, escutei o vidro estourando. A ursinha macia tinha dado uma pedrada no vidro.

– Mas que porr…

POFT!

***

Quando retomei os sentidos, estava amarrado em uma cadeira. Minha cabeça ainda latejava por conta da pedrada.

Abri os olhos mas estava tudo muito escuro, só conseguia sentir um cheiro horrível, uma carniça descomunal num misto de carne podre e esgoto. Meus pés estavam imersos em algum líquido espesso e não parecia ser água. Era possível ouvir ao fundo o som abafado da jukebox do barzinho tocando um bate-estaca muito alto.

À medida que a vista ia se acostumando à escuridão, consegui identificar alguém sentado numa cadeira de frente para mim.

Era o Barretto, também amarrado, mas a sua cabeça pendia de lado. Imaginei que ele não tivesse recobrado os sentidos (afinal, não sei quanto tempo fiquei desmaiado).

– Ei, Barretto! Acorda, Barretto! Que porra é essa? Que que tá acontecendo aqui?

Mas ele não respondia.

De repente o som ficou extremamente alto e abafou novamente, parece que alguém havia aberto e fechado uma porta. Ouvi dois homens conversando em uma língua que eu desconhecia. E então, num flash muito forte, refletores se acenderam.

Meus olhos queimaram com aquilo.

Quando conseguir abri-los de novo tentei me situar. Era uma sala escura sem janelas, muito ampla e com o pé-direito muito alto como se fosse um galpão. As luzes eram fortes e o cheiro de podridão se justificava por várias carcaças de boi penduradas nas laterais.

Os meus pés estavam encharcados com o sangue desses animais que escorria livremente pelo chão.

Barretto estava sem camisa amarrado na cadeira de frente pra mim. Sua cara estava desfigurada. Ao lado dele o taco de críquete estava jogado no chão. Era algo surreal e fiquei paralisado ao perceber todo o cenário.

Antes de eu conseguir imaginar que porra era aquela, entraram dois caras pela porta. Usavam aventais marrons, luvas amarelas e óculos de proteção.

– Olha quem acordou! – disse o mais magro e alto num sotaque carregado. – Olek, vá chamar o chefe! Ele acordou.

Você já imagina quem entrou, não é mesmo? Sim. O maldito Paul Giamatti.

Ele vestia uma roupa social com uma gravata borboleta e carregava uma maleta de metal, coisa bem psicopata mesmo. Seu olhar era algo muito insano. Aqueles olhos esbugalhados me encarando.

E ele disse:

– Paul Giamatti? Sério? O que você acha que é? Acha que é melhor do que qualquer um pra ficar por aí apelidando os outros? Você e esse seu amigo vieram aqui atrás de mim? Vocês não sabem quem eu sou e do que sou capaz. Fui cortês com você, te dei a opção de sair dessa, mas você com toda a sua arrogância preferiu se fuder. E é isso que eu vou fazer agora.

Eu já não tinha mais palavras para descrever toda a insanidade de todos os acontecimentos.

– Petro, Olek, saiam.

E os dois homens saíram.

– Meu nome é Viktor Pysklevitz e você nunca vai se esquecer disso – disse, colocando a maleta em cima de uma mesa e acionando um botão.

As peças de carne começaram a rodar, e o que eu vi na sequência foi assustador. Não havia apenas bois pendurados, mas também pessoas, todas suspensas por ganchos.

Não consegui segurar a ânsia de vomito quando consegui identificar dois daqueles corpos. Um era da Claudia, minha ex-futura-peguete do Tinder. O outro da Dani, minha ex-namorada.

– Calma, amiguinho, estamos só começando.

Ele tirou uma seringa com um líquido verde.

– Só começando…

E injetou todo o seu conteúdo no Barretto, que deu um grito de dor alucinado.

***

Esta história continua na próxima quinta-feira, aqui mesmo no Cinema de Buteco. O capítulo 7 ficará a cargo de Juliana Uemoto, que deverá encaixar a frase: 

“Uau. Eu nunca mais vou tomar banho na vida, e terei você como desculpa.”
(Convenção das Bruxas)

LEIA O CAPÍTULO 7

Organização e edição: Lucas Paio
Arte: Renato Trindade