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#ButecoInRio 2017 – 01 e 02: Logan Lucky – Roubo em Família, Atrás há Relâmpagos, A Parte do Mundo que me Pertence e Terra Selvagem

Estamos de volta para o nosso segundo ano consecutivo de #ButecoInRio.

Entre as novas experiências – como conhecer mais um resistente cultural carioca, o cinema Estação Net Rio, em Botafogo – e os retornos aos espaços que já nos encantaram no ano passado, podemos garantir, mais uma vez, uma cobertura do Festival do Rio com a cara do Cinema de Buteco. Não há, portanto, tempo a perder:

01) Logan Lucky – Roubo em Família ★★★½

(Logan Lucky, EUA, 2017. De Steven Soderbergh) 

Local: Cine Roxy, em Copacabana

Ninguém nunca acreditou muito na aposentadoria de Steven Soderbergh, esta é a verdade. Desde seu último trabalho propriamente cinematográfico, o bom “Terapia de Risco”, em 2013, o realizador estadunidense empenhou-se em esforços televisivos, a exemplo do telefilme “Minha Vida com Liberace” e das duas temporadas da série “The Knick”, onde encontrou mais liberdade criativa do que nas grandes produções hollywoodianas. Soderbergh sempre foi questionado, mas estaria profundamente equivocado quem o acusasse de “preguiçoso”: além de dirigir e produzir, utiliza-se de pseudônimos para trabalhar como montador e diretor de fotografia, e, por vezes, erra justamente pelo risco, por assumir projetos distintos de seu estilo tradicional e, especialmente, das convenções da indústria.

Logan Lucky – Roubo em Família, o “retorno” do diretor, pode não ser uma grande quebra nas barreiras de sua própria filmografia: assim como “Onze Homens e um Segredo” e suas sequências, trata-se de um filme de roubo; e assim como o subestimado “O Desinformante!”, trata-se de uma sátira. Ainda assim, nos apresenta a um universo absolutamente peculiar e original, protagonizado pela azarada família Logan, dos irmãos Jimmy (Channing Tatum), Clyde (Adam Driver) e Mellie (Riley Keough). São sujeitos interessantes por sua instabilidade – você pode rir com eles ou ter fogo ateado em seu carro apenas por zombá-los.

Entre as múltiplas presepadas protagonizadas pelo trio de irmãos ao lado de um outro trio fraterno, os Bang – Joe (Daniel Craig, hilário), Sam (Brian Gleeson) e Fish (Jack Quaid) -, a imprevisibilidade dos planos envolve o espectador, uma vez que a habilidade, ou melhor, inabilidade de seus autores garante que jamais possamos antecipar o sucesso – ou fracasso – das ações. Menos estratégicas, mais absurdas – e é bom que assim o sejam.

02) Atrás há Relâmpagos ★★★½

(Atrás hay relâmpagos, Costa Rica/México, 2017. De Julio Hernández Cordón)

Local: Estação Net Rio, em Botafogo

A sina desta geração é a de uma “história sem história”. A juventude contemporânea carrega enquanto bússola a falta de um destino; encontra-se perdida quanto ao que buscar, o que almejar e quais referências ou convenções seguir. Seu único suporte reside nas relações que desenvolve, imediatas, passageiras, mas vividas intensamente enquanto duram – se houvermos de percorrer um caminho sem guias ou destino certo, alivia-nos percorrê-lo em companhias que compartilhem de nosso sentimento. Sem marcos ou grandes eventos, sem “história”. Atrás há Relâmpagos, ao afastar-se dos quadros e narrativas habitualmente ligados aos jovens pelo cinema e pelo audiovisual de maneira geral, examina, compreende e retrata esta realidade como poucas obras foram capazes de fazer até o presente momento – talvez pela dificuldade, talvez pelo persistente e retrógrado desprezo da questão.

Sole, Ana, Frank, Gato e Lou. Um grupo de amigos como qualquer outro, com conflitos tão insignificantes à distância quanto significativos e traumáticos para cada um dos que os vivencia; as boas conversas, o sexo, as aventuras inconsequentes, as caminhadas: cada marca pode arranhá-los ou confortá-los de maneiras diferentes, e tudo parece tão próximo de ser dissolvido – tornando a inconsequência, por si, algo mais aceitável. Enquanto juntos, podem sentir-se acompanhados; as aflições pertencentes a cada um deles, todavia, não podem ser divididas.

Julio Hernández Cordón toma a admirável e corajosa decisão de, no primeiro ato, enquadrar Sole OU Ana e, salvo em raras e propositais exceções, jamais permitir que as duas dividam o quadro. Ao fazê-lo, o diretor consegue comunicar, exclusivamente através da linguagem, o sentimento de solidão e deslocamento que as consome. Uma angústia que não é ofuscada nem mesmo pela existência de grandes e presentes amizades – afinal, nenhuma relação é suficientemente sólida ou duradoura.

E, assim, corremos atrás de nossas próprias sombras.

03) A Parte do Mundo que me Pertence ★★½

(idem, Brasil, 2017. De Marcos Pimentel)

Local: Estação Net Rio, em Botafogo

A habilidade de sonhar é um dos raros elementos que nos humaniza, não importa o quão cruel seja a realidade que nos cerca e transforma. Ninguém vive sem utopias. O grupo de figuras escolhidas pelo diretor Marcos Pimentel e acompanhadas com maior ou menor aproximação em A Parte do Mundo que me Pertence é cercado por dificuldades, sejam físicas, sociais ou emocionais, que não os impedem de preservar, mesmo que ali, no canto da mente, os seus sonhos.

Há um leque diversificado, desde o fanatismo por um ídolo distante, passando pelos planos de futuro – casar-se, dançar balé profissionalmente etc -, até o melancólico e muitas vezes inevitável anseio de retornar ao passado. Do recorte na revista da dona de casa, que coleciona imagens de Fábio Júnior enquanto provavelmente resguarda a fábula de poder tê-lo para si um dia, à ligação da garota que, apaixonada, planeja convidar artistas famosos para o seu casamento, Pimentel defende a sensível tese de que os sonhos são mais valiosos quando nos parecem mais distantes – e, às vezes, ter tudo ao alcance das mãos pode destruir esta necessária experiência.

A legitimidade e a sutileza das duas sequências mencionadas, no entanto, não prevalece integralmente no documentário, uma vez que, numa decisão de caráter experimental, a produção opta por dispensar o uso de depoimentos ou narrações em off – e, ressalto, não há um problema de origem nisto. A questão problemática se desenvolve a partir de quando, decidido a “filmar o cotidiano” das personagens, A Parte do Mundo que me Pertence retrata exclusivamente ações que as direcionem aos seus sonhos; há uma espécie de “curadoria excessiva” que, para nos recordar frequentemente da premissa do documentário, atribui uma prejudicial artificialidade às cenas escolhidas, um caráter atuado às ações, que parecem apenas aguardar para que a câmera possa atribui-las mais significado do que elas realmente possuem – ou precisariam possuir.

critica terra selvagem

04) Terra Selvagem ★★★½

(Wind River, EUA, 2016. De Taylor Sheridan)

Local: Cine Roxy, em Copacabana

O “eu violento” de um ser humano – numa perspectiva psicanalítica, há sentido em equipará-lo ao Id – é constantemente testado em situações extremas. O que o faz despertar em cada um de nós, afinal? A lembrança de um trauma passado? A proteção de alguém que amamos? Ou, meramente, a crueldade que pode residir em algum de nós? Não há moralidade na violência, mas é impossível julgá-la sem assimilar todas as condições que a cercam.

A catástrofe do indivíduo, quando a violência primitiva abraça um ser humano, é certamente mais propícia numa região inóspita, intensamente fria, territorialmente solitária e vagamente habitada por um grupo hostil em decorrência dos séculos sofrendo com a exploração e a violência. Conforme um bom conhecedor local, Cory Lambert (Jeremy Renner), afirma sobre os frios vales de Wyoming, “a sorte não mora aqui, ela mora na cidade grande”.

Taylor Sheridan, que, ao escrever “A Qualquer Custo”, já nos havia exposto ao calor desértico do interior texano, leva-nos, agora também na direção, a um outro extremo, seguindo a cartilha de alguns cineastas – os irmãos Coen são o exemplo mais célebre – que, ao fugirem dos grandes centros, retratam um lado dos Estados Unidos distante dos sonhos, e intimamente próximo das crises, dos grandes territórios inocupados, das populações desamparadas e das condições climáticas danosas; o contexto “perfeito”, afinal, para que seres humanos recorram ao lado mais sujo e adverso de quem são – a partir de pretextos morais ou não.

Sufocados pela fotografia de Ben Richardson, que dimensiona a grandeza assustadora de uma imensidão enevoada e aparentemente interminável, somos levados a experimentar o isolamento sentido pelos habitantes da região. E, neste sentido, a agente Jane Banner (Elizabeth Olsen) nos representa na trama, sentindo-se completamente deslocada quanto ao contexto local, ao mesmo tempo em que se entrega obstinada e passionalmente à investigação de um crime – e, compreendendo o “passionalmente”, trata-se de algo que coloca as convicções morais de qualquer um à prova quanto ao que desejaríamos para seus responsáveis, assim que nos são revelados.

É o Cory Lambert de Jeremy Renner, todavia, quem se destaca. Numa composição adequadamente contida, o ator transmite a frieza de um homem que teve seus sentimentos tomados por um trauma passado, ao qual se conecta imediatamente no contexto pelo qual passa – e, diga-se, o roteiro expõe excessivamente a questão traumática, que já havia sido eficientemente transmitida por pistas na narrativa e pela própria interpretação do protagonista. Calejado pelas próprias experiências, prefere tomar as rédeas quando é necessário “agir errado” e apropriar-se da violência – não pelo prazer da amoralidade, mas para impedir que outro seja entregue a ela.

Sóbria e competente como o trabalho de Renner é a narrativa de Terra Selvagem, que nos encaminha às conclusões sem excessos e transita de maneira equilibrada entre a tensão e as angústias – algo que podemos assimilar para os nossos próprios traumas.

 

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