Por Alexandre Ferraz, colaboração para o Cinema de Buteco
AO CONTAR A HISTÓRIA DE UMA MÃE E SUA FAMÍLIA, A Felicidade das Coisas se utiliza da estratégia de mostrar o cotidiano para extrair temas a serem discutidos, algo que parece agradar à seleção do Festival de Roterdã em produções brasileiras, visto as recentes presenças de “Madalena” e “Arábia“. Ainda que explore com habilidade questões como a ausência da paternidade e a desigualdade social, o filme deixa a impressão de que havia espaço para se tornar mais marcante.
A apresentação das personagens e do universo em que se inserem, aparentemente sem grandes conflitos (o atraso de uma construção ou a ocasional desobediência de um filho adolescente), deixa entendido que eles terão maior importância no desenrolar da trama. A Felicidade das Coisas, porém, demora um tempo para captar o interesse do espectador na história daquela família, ainda que as atuações sejam muito boas – destaque para Patricia Saravy, no papel da protagonista Paula, gestante. Com diálogos mais corriqueiros e planos mais distantes das personagens, a primeira metade acaba por ter esse tom demasiadamente calmo, em que ainda falta engrenar.
No Instagram: ACOMPANHE A NOSSA COBERTURA DO FESTIVAL DE ROTERDÃ
Ver esta publicação no Instagram
Pais e filhos
É curiosa a forma como é retratada a figura do pai: mal ouvimos sua voz nas ligações com Paula, os únicos momentos em que há alguma presença sua e que normalmente envolvem discussões. O dinheiro parece ser o maior problema, evidenciado pela piscina azul gigante tombada no canto do quintal; os nervos estão cada vez mais à flor da pele, enquanto Paula tenta fazer de tudo para que ela seja instalada, esperando que isso resolva todos os seus problemas.
Paralelamente, o filho adolescente é incomodado cada vez mais pela espera da instalação da piscina ou para que se matriculem no clube caro próximo de sua casa (o que ele sabe que não acontecerá). Mas, principalmente, o que mais o afeta é a falta de figuras masculinas por perto. Na adolescência, não é fácil para um menino ficar só com a mãe, a avó e a irmã. Ele tenta fugir desse cenário ao se aproximar de outros jovens da vizinhança.
A partir disso, o filme aposta num jogo de oposição e espelhamento entre mãe e filho, o que traz mais força para a história. É o que rende as melhores sequências da narrativa, quando ela consegue combinar os principais temas que discute e colocá-los em pauta naturalmente.
Um retrato do Brasil
Após uma longa noite de preocupação com o filho, Paula não briga ou esbraveja; ela desabafa: “Eu não aguento mais”. Para um roteiro que faz um retrato do brasileiro médio, a fala é precisa. Os últimos anos definitivamente não foram fáceis para as classes sociais de recente ascensão no Brasil. Quando se acostumaram com as promessas de aquisições e posses, as crises econômicas bateram à porta e o sonho se viu cada vez mais distante. É aí que a frustração e o esgotamento tomam conta daqueles que não conseguem ter aquilo que lhes foi permitido desejar.
Desta forma, A Felicidade das Coisas compensa seu ritmo mais lento de início e mostra ter muito a dizer. Fica claro o potencial de sua diretora e roteirista, a estreante Thais Fujinaga. A história de Paula e sua família leva ao mundo de forma orgânica e sincera sentimentos comuns a muitos brasileiros. Ainda que a alegria exista nos pequenos momentos, o futuro hoje é incerto. Resta saber o que será da nova geração.
Acesse aqui todas as nossas coberturas de festivais!