O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A Crítica de Zodíaco possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
DAVID FINCHER É UM DIRETOR QUE GOSTA DE BOTAR SEU PÚBLICO PARA PENSAR. Em Zodíaco (Zodiac, 2007) o cineasta recria um evento real a partir do ponto de vista (ou obsessão) de três homens totalmente diferentes, mas que possuem em comum a necessidade de desvendar o caso de um serial killer que aterrorizou os Estados Unidos a partir da década de 1960 – e permanece até hoje sem identificar o assassino.
Se em Seven – Os 7 Crimes Capitais, Fincher explorava a investigação bem-sucedida de dois detetives, aqui a essência é outra. Portanto, se você procurar uma espécie de continuação de Seven, fatalmente acabará frustrado com as 3h de duração de Zodíaco e as poucas mortes presentes na narrativa. O diretor prefere dedicar sua atenção apenas para seus três personagens principais, deixando o serial killer como um mistério impossível de ser resolvido.
Baseado no livro de Robert Graysmith (vivido por Jake Gyllenhaal), o roteiro até tenta apontar um culpado. Logo que é introduzido em cena, Arthur Leigh Allen (John Carroll Lynch) recebe a atenção da câmera para reforçar pistas apresentadas anteriormente: do calçado especial ao relógio da marca Zodiac, do jeito de mancar ao rosto gordinho, tudo nele parece exalar culpa. Fincher consegue nos deixar com uma grande antipatia e até torcendo para que esse homem fosse o culpado, mas ficamos apenas nas acusações sem nenhuma prova contundente.
Ao deixar de lado o foco na identificação do assassino, Fincher automaticamente cria no espectador uma sensação de desconforto e medo. Por isso, quando Graysmith visita um homem esquisito que se dizia próximo de um outro suspeito, nós ficamos arrepiados. Toda essa parte em que o personagem entra num porão sozinho com esse sujeito é tensa. Não existe iluminação o suficiente, o homem tem uma expressão fantasmagórica que é acentuada pelas sombras, e claro, eles estão num porão. É até engraçado ver o sorriso do homem, que se divertiu horrores em causar medo em Graysmith. Ou será que ele sorria de satisfação por também ter causado o mesmo impacto em nós?
É curiosa a comparação com Seven, pois a tendência é realmente se surpreender com o quanto as duas produções são diferentes. Zodíaco subverte a nossa expectativa ao deixar de lado o óbvio de revelar o assassino (talvez por isso muitos não gostem tanto assim do filme). Não importa QUEM matou ou COMO matou, a única coisa que interessa é como cada ação do assassino influenciou os rumos da vida pessoal/profissional de Graysmith, David Toschi (Mark Ruffalo) e Paul Avery (Robert Downey Jr.).
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O primeiro deixa de ser um cartunista inexperiente, ingênuo e curioso para usar tudo que aprendeu com o jornalista Paul Avery e escrever um livro. Acontece que não esperava ter sua vida pessoal consumida pelo seu desejo obsessivo de descobrir a verdade. O próprio Avery é um sujeito que começa a história como um superstar do jornalismo, mas aos poucos cai em descrédito terminando sua vida afundado em vícios, sem amigos e sem trabalho. Por fim, Toschi, o investigador principal do caso, passa pela dor de cabeça de tentar coordenar ações com outros três oficiais de cada cidade em que um crime ocorreu, e aos poucos também perde tudo por causa desse caso e sua convicção em acusar Leigh Allen.
Enquanto acompanhamos a trajetória desses três homens, temos um retrato frio (como de costume da filmografia de Fincher) que avança lentamente com o passar dos anos, mas sem nunca chegar a uma grande conclusão. Exceto consumir a vida de cada um deles.
Uma curiosidade: Talvez você não saiba, mas o assassino Zodíaco inspirou vagamente o vilão de Dirty Harry, de Don Siegel, e com Clint Eastwood no papel do mocinho. Inclusive, o mocinho vivido por Eastwood teria sido inspirado justamente no personagem vivido por Mark Ruffalo em Zodíaco.
Justamente eleito como um dos melhores filmes de suspense dos anos 2000, Zodíaco é uma dica imperdível para fãs do trabalho de David Fincher e de obras que tratam especificamente do lado obsessivo dos seus personagens. Aqui temos a obsessão como pano de fundo para uma grande investigação criminosa, que nunca recebe mais atenção que os impactos causados na vida desses personagens. E isso é um detalhe que faz toda a diferença.
Veja a crítica de Zodíaco no projeto 365 filmes em um ano: