por Leonardo Lopes
VER UMA IDEIA ORIGINAL E CRIATIVA gerando uma produção de sucesso tem sido um evento cada vez mais raro no Cinema, e a premissa por trás de Uma Noite de Crime está certamente entre as mais interessantes dos lançamentos deste ano de 2013.
O longa do pouco experiente James DeMonaco aborda esta chamada noite de crime, ou de purificação – como mencionado pelas personagens -, que ocorre anualmente nos Estados Unidos, um período de doze horas no qual todo tipo de crime é autorizado a ser cometido pelo governo do país. O apelo político por trás da criação desta abertura nas leis defende que assim a criminalidade durante todo o resto do ano diminui, pois teoricamente todos aqueles que violentariam alguém em outro dia qualquer liberam suas necessidades violentas naquele dia, no qual não serão punidos, e assim evitar a superlotação de cadeias e outros problemas sociais em decorrência da criminalidade; mas a polêmica gerada pela iniciativa é a questão de que, por trás dos prós apresentados, aquela noite na verdade poderia ter a serventia de eliminar os mais desfavorecidos da sociedade – como moradores de rua – através da violência. Por mais que possa gerar estranhamento – vale lembrar também que passa-se em 2022 -, não há duvidas de que a premissa está cheia de potencial.
Ao invés de fazer um plano geral deste evento anual, no entanto, o roteiro do mesmo James DeMonaco prefere focar-se na família Sandin, para trazer a visão de um dos costumes durante esta noite: os mais ricos contratam os melhores sistemas de segurança para se protegerem da violência, e isolam-se em suas casas, como é o caso dos Sandin. Enfrentando esta noite por mais um ano, a família acaba enfrentando um desafio quando seu filho decide abrir as portas da casa para um morador de rua que estava ferido; por conta disto, uma gangue que dedica-se a eliminar moradores de rua passa a perseguir a família e entrar em sua casa para capturar aquele homem e poder matá-lo, uma vez que o patriarca James Sandin (Ethan Hawke) decide que não entregará o homem, mas lutará ao lado de sua família para proteger-se da dita gangue.
A decisão do roteiro ao delimitar sua abordagem foi arriscada e acabou atrapalhando Uma Noite de Crime. Se no primeiro ato, desde a apresentação dos conceitos até o início do período sem leis, o longa realiza questionamentos e críticas interessantes a respeito deste método e apresenta uma ainda mais interessante alegoria ao sistema norte-americano a partir da sociedade distópica à qual somos introduzidos – ainda voltarei a abordar este ponto -, conforme o desenvolvimento já está mais avançado, a obra prefere despir-se de alguns destes questionamentos a apenas conduzir um thriller de sobrevivência com aquela família, gerando uma competente tensão pelo isolamento dentro da casa e pelas ameaças tão próximas, mas também tornando-se mais superficial e, consequentemente, esquecível.
O momento em que a gangue invade a casa parece acontecer de forma tão fácil que acaba tirando parte do impacto ao qual estávamos sendo preparados por tanto tempo, e isto reflete bem alguns pontos da qualidade do longa. Após uma apresentação eficientemente detalhada, mas não expositiva, do conceito e da ameaça que ronda a família a partir daquele momento, temos uma execução muito apressada e simplista de todos os eventos que narram o confronto entre os Sandin e seus violentos “oponentes”. Temos tiros por todos os lados – e a produção é relativamente violenta -, mas é possível prever quando alguém surgirá no canto da cena para matar algum dos mascarados – característica visual da gangue -, assim salvando um dos membros da família, e a direção de DeMonaco nas sequências mais rápidas e movimentadas falha na localização do espectador em cena. Mas o grande pecado da obra parece localizar-se realmente na pressa com que a conclusão é desenvolvida, pois a chegada dos vizinhos-salvadores-traiçoeiros falha na verossimilhança e surge como a mais genérica e conveniente para encerrar a narrativa de modo a fazer com que a família protagonista sobreviva. Talvez alguns minutos a mais ajudassem num desenvolvimento mais cauteloso do terceiro ato.
Ainda assim, Uma Noite de Crime merece destaque simplesmente pela originalidade de sua premissa e pelas críticas que apresenta a seu público. O favorecimento aos mais ricos durante esta noite representa muito bem o maior acesso às oportunidades que ocorre com o mesmo grupo social no sistema capitalista norte-americano durante todo o tempo, e ter o governo bancando toda esta iniciativa deixa claro como foi mais fácil para o estado tomar uma decisão imediata e provisória para lidar com seus problemas da violência e do tratamento para se dar aos moradores de rua e criminosos. O grupo burguês, claro, apoia a iniciativa, pois seus sistemas de segurança podem continuar reinando sobre o resto da sociedade que não tem acesso ao mesmo recurso – até que uma gangue chegue para incomodá-los, mesmo que com princípios reprováveis.
Trailer:
Texto publicado originalmente no http://ocinemavoador.blogspot.com
Nota:[duasemeia]