Outro dia, em uma conversa informal, perguntei a uma pessoa se ela gosta de filmes de terror e recebi como resposta a condição “Gosto, mas tem que ser bom” e isso me intrigou. Oras, só os filmes de terror precisam ser bons, os outros não têm essa “obrigação”? Parece que existe uma cobrança maior e também uma desconfiança quando o assunto é terror. Faço o questionamento sobre essa cobrança no mês do Halloween, quando diversos filmes do gênero são comentados, recomendados, lançados e debatidos. Abraço de Mãe, novo filme de Cristian Ponce (criador da série animada A Frequência Kirlian) estreia na Netflix nessa leva, no próximo 23 de outubro.
No filme, acompanhamos Ana (Marjorie Estiano, de As Boas Maneiras), uma bombeira que volta ao trabalho que tanto gosta, após dois meses em funções administrativas. A dedicação da profissional é observada por todos que a cercam, assim como os fatores que podem fragilizá-la. Na infância, Ana passou por um episódio dramático, que é mostrado na cena inicial do filme, conduzida com competência.
Ana e sua equipe recebem um chamado para verificar a possível evacuação de um asilo. Aos poucos, os bombeiros percebem que ninguém ali pretende deixar o lugar. Como agravante, o cenário é tomado por uma tempestade e Ana é colocada frente a frente com sensações que trazem o seu passado de volta.
Uma escolha acertada do roteiro é não tentar inventar a roda, mas ao mesmo tempo, fazer bem-feito o que já é esperado em um filme de terror. No asilo citado, tem personagens misteriosos (alguns escondem algo), Ana acaba separada de sua equipe, há pouca iluminação e a chuva torna tudo mais difícil. No meio disso, temos um personagem que, a princípio, funciona como uma espécie de intermediador entre a equipe de bombeiros e os residentes do asilo. Ulisses (Javier Drolas, de O Livro dos Prazeres e Medianeras – Buenos Aires na Era do Amor Virtual) se mostra sensato e acessível, a pessoa certa para dar o suporte que Ana precisa.
Abraço de Mãe se passa no Rio de Janeiro, em 1996, e faz uso de um cruel episódio da cidade, uma forte chuva que levou a vida de 65 pessoas e destruiu 500 casas.
O roteiro de Gabriela Capello, André Pereira e Cristian Ponce não se propõe a revolucionar o cinema, mas mostrar o que o cinema de terror tem a seu favor, como elementos que evocam diversas vertentes do cinema de gênero, a capacidade de deixar o espectador tenso até a conclusão da história e boas cenas para compor sequências instigantes. A gente consegue captar elementos do terror cósmico na narrativa permeada pelo terror psicológico e isso é tratado com muito cuidado, o que resulta em um filme competente.
Marjorie Estiano, para surpresa de zero pessoas, consegue transmitir a complexidade dos sentimentos de sua personagem com maestria. Sua capacidade de misturar fragilidade, força e determinação dão à Ana tudo o que a personagem precisa.
Abraço de Mãe é uma produção da Lupa Filmes. Foi exibido no Festival do Rio e chega ao catálogo da Netflix nesta quarta-feira, 23 de outubro.