Reviver O Iluminado é observar o mais impressionante filme de terror do cinema. Stanley Kubrick propôs um assombroso sentido ao adaptar o livro de Stephen King. A cena inicial logo impacta: o fusca sobe montanhas desertas, ao som de uma trilha sonora cruelmente sinistra. Algo muito assustador está à espreita?
O filme tem a estrutura narrativa dividida em capítulos, tornando as sequências um tanto temáticas. Kubrick transpôs a essência do livro? Stephen King ficou insatisfeito com a adaptação de sua obra? Esses detalhes, no entanto, são totalmente eclipsados ao se conferir o estonateante dom de Kubrick, que não buscou trazer cada detalhe do fenomenal enredo criado pelo mestre do terror, deixando espaço para o exercício de suas técnicas cinematográficas em favor da tensão e suspense. Abusando de steady cams e cenas plásticas primorosas, o diretor elevou o gênero a um novo patamar, provando a todos que a arte pode ser concebida em meio a muito sangue e medo.
É inevitável que cada conceito do filme tenha o seu universo, o olhar apurado, seu estilo próprio: há o contraste do ambiente frio e local inóspito x cores quentes e tensão crescente. Reviver O Iluminado é observar a amplitude da arquitetura do hotel sob a perspectiva do menino Danny – é observar os ruídos, os sustos sonoros proporcionados pela trilha musical altamente tensa e condicionada nos closes inesperados, focando as expressões e olhares dos atores.
O filme ferve em cenas de alto teor psicológico, terror crescente – todo o decorrer do filme é um progresso de tensão psicológica. Kubrick, dentro de seu talento e do perfeccionismo extremo, conduz cenas memoráveis: o que falar sobre a cena do triciclo? Os intervalos entre o barulho da roda no carpete e depois no chão liso, um movimento repetitivo e agoniante , são realmente assustadores. Os corredores largos transformam o hotel num organismo vivo, num personagem do filme.
E o encontro conclusivo com os espíritos das gêmeas? A visão da duplicidade causa certo desconforto, ainda mais com a pronúncia das falas: “Olá, Danny. Venha brincar conosco…” – Danny Lloyd determina uma atuação vibrante, emocional e intensa como o pequeno iluminado, nesta cena ele é pura espontaneidade e desespero. Cicatrizante mesmo é a cena em que o garoto muda a voz e começa a repetir “Redrum! Redrum!” (“murder” ao contrário, que em português significa assassinato). Como reviver cenas de puro impressionismo do horror? Jack Nicholson como Jack Torrance é um misto de dissimulação, insanidade e ironia quando está sob influência e sugestionado pelos espíritos que pairam no hotel. É nele que reside a verdadeira essência e foco do filme. Jack mandando o machado na porta, totalmente possuído pelos demônios do hotel, concebe pena e ódio ao mesmo tempo? Uma atuação selvagem, clássica.
Conta-se que em Kubrick refilmou 126 vezes uma mesma cena para conseguir uma atuação convincente de Shelley Duvall. Porém, ela desenvolve muito pânico emocional durante o decorrer de cenas importantes: Alguém lembra da cena que Wendy descobre o que o marido tanto escrevia? Eis um filme que reformulou o gênero do horror, tudo é precisamente perturbador. Não é sanguinário, apenas o efeito do psicológico que mexe com nossos medos interiores.