O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica do filme Nefarious possui spoiler e deverá ser apreciada com moderação.
É FRUSTRANTE QUANDO BOAS IDEIAS NÃO SE TRANSFORMAM EM BONS FILMES. Nefarious (Chuck Konzelman e Cary Solomon, 2023) é um belo exemplo prático para ilustrar a frustração.
O conceito da produção é promissor, imaginem só, um psiquiatra é levado para examinar um prisioneiro prestes a ser executado. Quando chega para examinar o criminoso, escuta que ele é o próprio demônio. Mas a execução precária deixa os méritos apenas para o campo do que poderia ter sido, já que a obra deixa muito a desejar na parte técnica.
Começando pelas atuações: o diabão é vivido por Sean Patrick Flanery, ator cujo principal crédito é Energia Pura (Powder, Victor Salva, 1995), um clássico do Cinema em Casa. Ele até se esforça com caras e bocas, muda o tom de voz, o jeito de olhar, mas peca especialmente na linguagem corporal. Se a intenção era viver o capiroto e o homem, ele fracassou. Não dá para sentir uma diferença forte de uma atuação para a outra. Para efeito de comparação, James McAvoy, em Fragmentado (Split, M. Night Shyamalan, 2016) ensina como é que deveria ter sido feito.
Contracenando com Flanery, temos o canastrão Jordan Belfi interpretando o psiquiatra ateu, que, de forma previsível, deixa o seu ceticismo de lado para acreditar que está diante o próprio coisa ruim. A interação entre os dois é tão fraca, que fiquei entediado e cochilei várias vezes. Fui obrigado a fazer uma revisão para escrever a análise.
O roteiro, em um primeiro momento (e vamos voltar para isso daqui a pouco) até tenta parecer inteligente. Afinal, estamos falando do capiroto em pessoa. Ele não é burro. Enquanto é examinado pelo médico, o paciente demoníaco fala muitas coisas inteligentes, quase como se fosse o próprio compositor do Engenheiros do Hawaii. O problema é que, assim como acontece quando analisamos as letras, elas não são tão espertas assim. Mas, pelo menos, Humberto Gessinger é mais honesto que os seis braços responsáveis pelo roteiro.
Os diálogos criam várias situações convenientes para ajudar a evoluir a narrativa. Aqui, claro, é uma questão um pouco pessoal. Pode ser que funcione para você, mas explodi a minha cota de roteiro “inteligente” com a franquia Jogos Mortais e a série Prison Break. Por exemplo, nos monólogos cheios de lições de moral do dono da tábua de assar jiló do inferno, ele conecta acontecimentos da vida do médico – alguns que aconteceram paralelamente ao exame e outros que estão por vir. E sempre com um papo conservador e moralista.
Incrédulo com os elogios que a obra recebeu (nota 6,4, no IMDb, no momento em que publico esta crítica) e com um vídeo empolgado do CinePop no Instagram, decidi pesquisar no Google sobre a produção. Se Nefarious havia me incomodado pelo potencial desperdiçado, passou a me causar repulsa pelos argumentos dos seus defensores.
Aparentemente, a obra é um terror cristão (alô, meta terror! Você ganhou um irmão!) e transforma eutanásia, aborto, ateísmo, dentre outros, em ações do mestre do Toninho do Diabo. Fui mergulhar nos comentários do Google para ver a opinião dos (verdadeiros) especialistas e quis vomitar. Descobri que existe um hype (de 100 pessoas) em cima de Nefarious e todos repetindo as mesmas asneiras. Escrevi metade dessa crítica SEM ter feito a pesquisa para saber mais da obra e deixei para fazer isso na parte final. É lamentável que a Direita seja formada por gente com tão baixo percentual de atividade cerebral e tão desprovidos de cultura, que têm a coragem de chamar Nefarious de “melhor filme de possessão demoníaca já feito”. Quero arrancar meus olhos, sabe.
Mesmo sabendo de ser mais uma propaganda de direita, assim como o fraco O Som da Liberdade, Nefarious continua sendo uma obra que fracassa na sua execução, mesmo com uma excelente ideia. Triste constatar que quem teve a ideia, infelizmente, está com a cabeça atolada no próprio rabo de Lúcifer.
Nefarious tem previsão de estreia nos cinemas brasileiros em 2 de novembro de 2023.
Veja também a crítica de Nefarious no canal do YouTube: