O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: a crítica de Um Lugar Silencioso possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
SILÊNCIO É UMA FERRAMENTA PODEROSA QUE NAS MÃOS DE CINEASTAS CRIATIVOS SE TORNA UMA FORÇA ASSUSTADORA. Em Um Lugar Silencioso (A Quiet Place), somos convidados a mergulhar numa experiência incomum nos cinemas, especialmente numa época em que manter a concentração é tarefa cada vez mais árdua.
John Krasinski (The Office) e Emily Blunt (Sicario) são os pais de duas crianças num mundo apocalíptico em que a humanidade é obrigada a fugir das grandes cidades e viver em silêncio completo, pois o som atrai estranhas criaturas assassinas. Poderia ser bem bobo e clichê, mas a real é que o roteiro quase não tem diálogos e toda a narrativa se desenvolve com os personagens em silêncio.
Isso significa obviamente uma grande chance de dor de cabeça para os cinéfilos, afinal é bem provável que o público comum fique entediado, faça piadinhas para quebrar o clima ou fiquem inquietos em suas poltronas conversando e rindo. Meu conselho é buscar sessões em horários alternativos. Fuja do risco de comprar ingressos nas sessões noturnas no final de semana e poupe-se da dor de cabeça.
Terceira empreitada de Krasinski na cadeira de diretor, Um Lugar Silencioso é um dos melhores filmes de terror de 2018 desde já e se garante como uma das produções mais interessantes lançadas até aqui. Assim como o recente Ao Cair da Noite (It Comes at Night), o longa dispensa perder seu precioso tempo investindo em explicações e dedica sua atenção para criar um clima de tensão crescente em que nenhum personagem parece salvo.
Krasinski surpreende com sua qualidade e sensibilidade para fazer bom uso dos jump scares, aquelas cenas em que você SABE que algo vai acontecer, mas se assusta mesmo assim com a combinação de uma trilha sonora intensa e alguma cena de susto. Há quem avalie filmes de terror pelos seus sustos e isso me parece uma verdadeira ofensa, já que o terror tem como principal objetivo deixar seu espectador com o cu na mão. Medo e susto são coisas bem diferentes, mas Krasinski demonstra um talento ímpar para combinar as duas coisas.
Com a ajuda do compositor marco Beltrami (Guerra Mundial Z) e de uma montagem eficiente, o cineasta consegue realizar uma sequência sufocante de eventos capazes de deixar os espectadores roendo as unhas. São vários eventos acontecendo paralelamente até conectar os protagonistas, e isso inclui até um parto (lembre-se que as criaturas atacam guiadas pelo som).
Podemos dizer que Krasinski nada mais fez que usar a fórmula do sucesso criada acidentalmente por Steven Spielberg em Tubarão e repetida por Ridley Scott em Alien, o Oitavo Passageiro, Wes Craven em A Hora do Pesadelo original, e Matt Reeves em Cloverfield. Não há pressa em mostrar a ameaça. Na verdade, não existiria nem a necessidade de cair nessa tentação, mas o diretor vai introduzindo os monstros aos poucos, em relances até que permita ao público conhecer os verdadeiros vilões da trama.
Ainda que os minutos finais enfraqueçam a mística criada ao longo da narrativa (e façam lembrar de Sinais, de M. Night Shyamalan, com a revelação da fraqueza dos invasores), acaba sendo um sopro de esperança ver uma produção em que a humanidade é exaltada através da força de duas mulheres, enquanto um garoto é deixado com a responsabilidade de cuidar de um recém-nascido.
Fãs de cinema possuem um compromisso obrigatório com John Krasinski e seu Um Lugar Silencioso. A dica se torna ainda mais necessária para os apreciadores de um bom terror que dá sustos, nos deixa tensos e com pavor por lidar com uma ameaça incompreensível.