Leia também o texto da Juliana Lugarinho, publicado em dezembro de 2011.
O Cinema de Buteco adverte: o texto a seguir possui spoilers que podem comprometer a surpresa para aqueles que ainda não assistiram ao filme.
SE VOCÊ ESTIVER COM DOR DE CABEÇA, sono ou fome, fuja de O Espião Que Sabia Demais. Definitivamente não é um daqueles filmes simples e que você pode encarar de qualquer jeito. A nossa querida Juliana Lugarinho comentou isso no seu texto e a quantidade de detalhes (e a própria estrutura do longa-metragem) podem ser um grande desafio para as mentes do público, que anda tão acostumado a ver filmes bobinhos e que não fazem convites para o uso do cérebro.
Dirigido por Tomas Alfredson (Deixe Ela Entrar), o thriller de espionagem dá um verdadeiro nó na cabeça do espectador desde a sua primeira cena. O longa não se dá ao trabalho de facilitar o entendimento de quem não está prestando atenção e salta para flashbacks de vários personagens e momentos distintos. Por estes motivos, poderia acabar sendo citado como um fator negativo da produção, mas o charme sufocante criado pela atmosfera pesada e cinza de Alfredson é o suficiente para se esforçar e acompanhar o desenvolvimento da trama.
Smiley (Gary Oldman) é obrigado a se aposentar. Pouco depois, seu mentor Control (John Hurt, em uma atuação fantástica e absolutamente rabugenta) morre e deixa no ar uma teoria da conspiração: um dos membros do alto escalão, que inclusive inclui Smiley, é um agente duplo. Eis que começa uma verdadeira aula de manipulação, investigação e suspense. Percy Alleline (Toby Jones), Bill Haydon (Colin Firth), Roy Bland (Ciarán Hinds) e Toby Esterhase (David Dencik) são os prováveis espiões e cabe a Smiley e seu parceiro Peter Guillam (Benedict Cumberbatch, que ao lado de Hurt e Oldman, é um dos grandes destaques da produção) desvendarem o que está acontecendo e impedirem que mais informações sejam vazadas.
Os poucos momentos de ação do filme compensam todos os diálogos cabeça e a escuridão das imagens, que talvez seja uma eficiente tentativa de tentar inserir o espectador no clima pesado da trama. Detalhe especial para a introdução e a conversa desastrosa entre o agente Jim Prideaux (Mark Strong) e Polyakov (Konstantin Khabenskiv). A trilha sonora tem grande participação na construção das sensações transmitidas, o que não poderia deixar de ser num filme de espionagem. Parte da sensação de que O Espião Que Sabia Demais é arrastado, se deve ao personagem de Oldman. Com uma serenidade irritante, ele monta o quebra-cabeças com uma calma do além e nem mesmo precisa sujar as suas mãos para lidar com os problemas. Frio e estrategista, Smiley usa sua inteligência e capacidade de manipulação para conduzir Guillam e o agente Rick Tarr (Tom Hardy) durante a investigação. Uma forma de descrever tanto o personagem como o próprio filme, seria uma comparação com o xadrez. Não é por acaso que os personagens são apresentados em determinado momento como peças do jogo.
Para quem acha que O Espião Que Sabia Demais é um filme apenas com homens no elenco e sem espaço para as mulheres, um aviso: o galã Tom Hardy (com suas madeixas loiras) encontra uma informante potencial e acaba criando um vínculo com ela. Embora as cenas dos dois não envolva nudez, a sensualidade de Amanda Fairbank-Hynes e a tensão sexual de sua personagem Belinda com o agente Tarr acaba sendo um alívio feliz para o público, em meio a todo aquele clima de suspense.
Em seu filme anterior (Deixe Ela Entrar), Alfredson mostrou sensibilidade ao evitar explicitar demais os detalhes sobre as características de seus personagens. Algumas coisas passaram despercebidas para um espectador desatento e ele acaba deixando de lado essa característica ao explicitar fatos que logo seriam apresentados. Um exemplo disso é que durante a cena da comemoração natalina, a esposa de Smiley passa a observar o agente Bill Haydon, que a olha com desejo. O diretor peca ao deixar isso claro para o espectador ao invés de investir na dúvida. A cena seria eficiente se não houvesse um close na expressão de Firth, o que acaba entregando que aqueles dois personagens têm ou terão algum envolvimento. Outro detalhe é na sequência em que Prideaux conversa com um de seus “alunos” e diz algo como: “Toda pessoa que tem o seu nome, é muito boa.”
Esqueça o piloto automático quando se sentar para conferir a performance de Oldman, Firth, Hardy e companhia. O Espião Que Sabia Demais é um raro exemplar de filmes reflexivos em tempos de tantas produções mastigadas. Se prepare para conferir uma das melhores atuações da carreira de Gary Oldman e descobrir que os chamados “filmes de elenco” precisam de uma grande história para se sustentarem, mas que os atores realmente fazem a diferença.
Título original: Tinker Taylor Soldier Spy
Direção: Tomas Alfredson
Produção: Tim Bevan
Eric Fellner
Robyn Slovo
Roteiro: Bridget O’Connor
Peter Straughan
Elenco: Gary Oldman (O Cavaleiro das Trevas)
John Hurt (Alien – O 8º Passageiro)
Colin Firth (Direito de Amar)
Tom Hardy (A Origem)
Benedict Cumberbatch
Lançamento: 20.Jan.2012
Nota: