AMANDO OU DETESTANDO (e é difícil encontrar alguém no meio termo), eu duvido que você não conheça a letra de pelo menos três músicas da Legião Urbana. Renato Russo, líder da banda e compositor destas letras, junto com alguns garotos de Brasília, foi ícone de uma geração. Por isso um filme sobre sua vida seria carregado de muita cobrança e expectativa. Somos Tão Jovens, que chega aos cinemas nesta sexta-feira, dia 3 de maio, tem direção de Antônio Carlos da Fontoura e narra a juventude de Renato Manfredini Jr. (futuramente, Russo), desde seu início na música, com a banda Aborto Elétrico, até o começo do sucesso da Legião Urbana, em 1985. No entanto, embora tenha alguns méritos, o longa tem um quê de Malhação muito grande para falar de uma juventude tão transgressora e conta com pouca profundidade para abordar uma personalidade tão complexa.
O roteiro de Marcos Bernstein é eficiente em mostrar a trajetória inicial do músico, mas é bastante quadrado em sua forma, não nos fornecendo algumas nuances mais íntimas que Meu Pé de Laranja Lima (filme recente escrito e dirigido por Bernstein) transmite, por exemplo. Além disso, as transições entre as cenas raramente soam naturais.
O longa já começa com uma problemática cena mostrando um acidente de bicicleta, o que o fez descobrir uma doença óssea rara chamada epifisiólise. Os vários meses na cama foram essenciais para que Renato desenvolvesse gosto pela composição e pela Filosofia e Literatura. E a bagagem desta leitura está em todas as letras da Legião Urbana, mas ainda assim escolheram uma abordagem meramente factual para narrar a vida do compositor, fazendo apenas uma referência à Filosofia: a escolha do nome Russo.
Mas o principal pecado de Fontoura é conhecer a adolescência apenas por episódios de Malhação, aparentemente. A personalidade notoriamente rebelde do músico parece sempre banal no longa, culminando em uma discussão agressiva com a família sem motivo justificável algum. Os pais e os amigos do protagonista conversam como quem vai para o Gigabyte tomar um suco, a revolta contra a ditadura militar, que inspirou a maioria das letras das bandas da época, é pífia, e a droga mais pesada que vemos é a maconha.
Tudo isso parece aceitável até aparição de André Pretorius, integrante inicial do Aborto Elétrico, retratado como uma versão ainda mais caricata, e involuntariamente cômica, do Supla. Claro que a tentativa de mostrar Renato como um “adolescente comum”, que faz merda, é válida, só é uma pena que tenha sido realizada por alguém que não parece ter muito conhecimento sobre esta fase da vida.
Mas a profundidade de Renato Russo é salva por Thiago Mendonça. O intérprete do músico demonstrou realmente ter mergulhado no personagem e incorporou todos os trejeitos do cantor, tendo uma expressão facial que fala muito mais do que os diálogos expositivos do roteiro. Até mesmo a maneira sensível com qual a bissexualidade de Renato é abordada é mérito da ótima atuação de Mendonça.
Laila Zaid também se sai bem como Ana, uma das únicas personagens fictícias do longa, e Edu Moraes, intérprete de Hebert Vianna, merece um prêmio pela melhor imitação de voz do cinema nacional.
Outro grande mérito do longa foi a captação de todas as músicas em set. Desta forma, os músicos desafinam e erram em ensaios e shows em garagens e pequenos festivais, o que traz mais verossimilhança ao abordar o cenário completamente underground da música brasiliense da década de 80. Os destaques da fotografia resumem-se a uma câmera trêmula para passar a impressão de “roda punk” e alguns filtros anos 70 e 80, mas existem algumas cenas belas, como certa reconciliação final.
O terceiro ato é bastante superior aos dois primeiros, contendo mais emoção e abordagem mais delicada dos personagens, além de um belo desfecho. E o que filme deixa é uma nostalgia e a vontade de pesquisar mais sobre aquela história (e você precisa, pois o longa passa a impressão que Russo ficou só por algumas semanas no Aborto Elétrico)…
Mas a Legião merecia mais.
Nota:[tres]