Sombras da Noite

O estilo inconfundível, que, para alguns, pode soar repetitivo, tornou Tim Burton um reconhecido cineasta autoral dentro da indústria hollywoodiana. Sua filmografia marcante é apreciada pelo grande público capaz de identificar este estilo em suas narrativas que imbricam gêneros diversos, com toques de contos de fadas bizarros e góticos. Seus personagens estranhos para o mundo dito “normal” revelam um surpreendente comportamento diante de uma aparência assustadora ou lúgubre e, por vezes, subvertem a dicotomia clichê entre “bem” e “mal”. Sobretudo, seus filmes destacam-se por sua visualidade singular, repleta de referências à cultura pop e ao universo do cinema – que Burton frequentemente homenageia, explicitando suas maiores influências, desde a infância. Influências que podem ser sentidas nos cenários, na iluminação, na composição dos enquadramentos de uma maneira geral, além dos figurinos e da própria encenação. Mas Burton também é autorreferente, reiterando seu próprio universo constantemente, a partir do conjunto dessas influências relidas por seu olhar diferenciado, além de se cercar de uma equipe com colaboradores recorrentes que o auxiliam na elaboração desta instigante assinatura estética e temática.

Sua última obra, Sombras da Noite (Dark Shadows, 2012), é mais um mergulho neste estranho mundo de Tim Burton. Desta vez, inspirado pela série de TV Dark shadows (1966-1971), criada por Dan Curtis (a quem o filme é dedicado), narra as desventuras do amaldiçoado Barnabas Collins – a oitava parceria com Johnny Depp (desde Edward Mãos de Tesoura, de 1990). Assim como imprimiu sua marca em Batman, agora, Burton faz sua releitura de outro personagem icônico e sempre em voga na indústria hollywoodiana: o vampiro. Mas, como de praxe, concebido a partir de um amálgama de suas várias referências: além do universo da soap opera em que o filme foi inspirado – inclusive, com uma caracterização bastante semelhante à do Barnabas original (personificado por Jonathan Frid, em quem Depp admite ter baseado sua interpretação) – mesclam-se o Dracula imortalizado (sem trocadilhos) por Bela Lugosi, no clássico homônimo de 1931, de Tod Browning, com um movimento de mão com dedos pontudos que tanto remete à obra-prima expressionista de F. W. Murnau, Nosferatu (1922), quanto à própria recriação de Burton – Ed Wood, de 1994 – em que Depp, na pele do “pior diretor de todos os tempos”, aprendia com seu ídolo Lugosi (encarnado por Martin Landau) o tão famoso gesto hipnótico; além, claro, do cult conde dos anos 1960 da produtora inglesa Hammer – outra grande fixação de Burton – personificado por Christopher Lee (que aparece numa ponta, como em outros filmes do cineasta).

Porém, como em outras obras de Burton, o roteiro revela-se seu ponto fraco: mereceria melhor costura e arremate dos muitos pontos soltos e mal desenvolvidos, parecendo suscitar uma continuação, já que a história deixa tantas brechas. Entretanto, sua forma de narrar e sua visualidade exacerbada conseguem envolver e divertir (em algumas cenas hilárias), dentro da proposta estética sempre interessante e repleta de suas excentricidades peculiares.

A história, que começa em 1752, em Liverpool, se passa no início da década de 1970, no Maine, quando Barnabas consegue se libertar do caixão em que fora enclausurado. É instigante a adaptação de um vampiro de quase 200 anos ao mundo “moderno” de 1972, mas é uma pena não ter sido melhor explorada esta vertente do filme que, no entanto, rende um dos grande momentos, ainda que desenvolvida apenas o tempo suficiente da duração da canção “Top of the world”, dos Carpenters – com um toque irônico quanto à época em que se passa e como uma piada propícia à passagem da reconstrução do castelo.

Aliás, a seleção de músicas da década de 70 é um prazer quase à parte, ajudando a ambientar o filme de forma cativante, com destaque a “Season of the witch”, de Donovan (muito apropriada e sempre boa de ouvir), além de canções de Elton John (“Crocodile rock”), Curtis Mayfield (“Superfly”) e Barry White (“My first, my last, my everything” – numa rara incursão de Burton a uma cena de sexo, com algo de maliciosamente grotesco!), culminando com a participação especial de Alice Cooper – mal aproveitada, mas engraçada, pelo inusitado – quando o castelo ganha cor, durante o baile.

Para quem admira o universo sempre reiterado de Burton, o filme, mesmo com seus problemas na história, é, mais vez, um banquete para os olhos e ouvidos. O próprio Burton admite sua obsessão criativa, em entrevista a Laurent Tirard (2006): “Qualquer que seja o tema que se aborde, ele sempre acaba sendo uma maneira desviada de se lançar ao mesmo problema, à mesma obsessão. De certo modo é irritante, pois queremos acreditar que evoluímos. Por outro lado é estimulante, pois é um desafio permanente. É como uma maldição de que queremos nos livrar”.