o som da liberdade crítica - cinema de buteco

Crítica: Som da Liberdade

Foi o poeta inglês John Donne que cunhou a famosa frase “Nenhum homem é uma ilha” e, se pensarmos bem, ela serve para qualquer produção artística e áudio visual. De fato, nenhum filme é uma ilha – é o resultado de um contexto cultural, informacional e até ideológico, fruto de um momento no tempo e impactado pelas percepções e polêmicas que o cercam.

Qualquer um que pesquisar “Som da Liberdade” no Google (ou no ChatGPT, se preferir), vai ser bombardeado com várias notícias sobre polêmicas em torno do filme, sua produção e divulgação. Sem dúvida isso afeta o longa, e pode afetar a experiência de assisti-lo. Mas o que não dá pra encontrar com tanta facilidade são críticas sobre a obra em si e esta é a proposta aqui: fazer uma crítica da narrativa como produto áudio visual, da experiência dentro da sala de cinema, e não fora. Afinal, é bem fácil obter o resto das informações.

som da liberdade

A obra, dirigida pelo mexicano Alejandro Gómes Monteverde, estreou nos cinemas americanos em 4 de julho deste ano, mas só chega no Brasil em 21 de setembro. Baseado na história real de Jim Ballard (mesmo já informado pelo próprio que foram feitas várias alterações, o que é costume em obras baseadas em fatos, em maior ou menor intensidade), um agente especial do Governo Americano que embarca em uma missão arriscada para resgatar crianças vítimas de tráfico infantil.

Estrelado por Jim Caviezel (“A Paixão de Cristo”, 2004), o filme conta com um elenco majoritariamente latino, um ponto positivo para uma história que se passa quase que inteiramente em países da América Latina e com personagens latino-americanos. Permitiu também que seja um filme em grande parte falado em espanhol, o que dá naturalidade pra história representada na tela. Não tem nada mais decepcionante do que bizarrices que são geradas com americanos interpretando outras nacionalidades (vide o elenco de “Casa Gucci”, de 2021).

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O meu ponto favorito do filme precisa ser a dupla de irmãos colombianos, Rócio e Miguel, interpretados pelos também atores mirins colombianos Cristal Aparicio e Lucás Ávila. Antes de tudo, essa é uma história sobre eles, os verdadeiros heróis, que representam aqui inúmeras crianças escravizadas e traficadas pelo mundo todo. As performances dos atores também foram as minhas favoritas, cheias de verdade, delicadeza e sensibilidade, principalmente considerando a temática. Lucás Ávila, que representa o irmão mais novo e tinha oito anos no momento das gravações, é completamente apaixonante e convenceu em todas as cenas.

Entre o caminho da emoção ou o da realidade, quase todas as vezes “Som da Liberdade” escolhe o primeiro. Tem coragem de ser pesado e realista apenas até certo ponto. Isso se reflete, inclusive, nos diálogos, que são bem mais “limpos” do que se espera dentro da realidade retratada. Nesse sentido, a versão dublada tem os diálogos ainda mais polidos do que na original – reforçando a dica de, sempre que possível, assistir à obra na língua original.

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Trazendo à tona a temática do tráfico infantil, escravidão moderna e pedofilia, esse longa-metragem apresenta temas universalmente relevantes que, infelizmente, foram polarizados. Nem tanto pela produção em si, mas por grupos políticos e ideológicos, o que fará com que grande parcela da população nem chegue a assisti-lo. É um filme que tem seus defeitos e qualidades, e uma temática profundamente relevante, que acabou sendo reduzido à fúteis discussões ideológicas, notícias falsas, polêmicas em relação aos envolvidos e teorias da conspiração.