“O amor feliz não tem história na literatura ocidental. O casal feliz só nos comove pela expectativa da infelicidade que o ronda. Sem sofrimento não há romance. O romance de Tristão e Isolda tornou-se o modelo de todas as histórias de amor até hoje: os amantes se amam, mas não conseguem superar os obstáculos e serem felizes”.
Pedro e Ana (Wagner Moura e Letícia Sabatella) se conhecem durante a montagem do espetáculo Tristão e Isolda. Se apaixonam ao mesmo tempo em que discutem sobre a representação de seus personagens e consequentemente a visão de amor que querem mostrar no palco. A maior questão que surge é sobre a possibilidade do amor recíproco feliz: será que estamos realmente tão acostumados com este modelo de amor trazido até nós por anos de tradição ocidental, que qualquer perspectiva de inventar uma nova forma de amar, mais leve, menos trágica, nos parece ainda inconcebível?
Podemos responder pelo casal protagonista, que apesar de uma química (nos palcos e na vida) inegável não consegue sobreviver à primeira dificuldade que lhe surge à frente: Ana recebe um convite para protagonizar a nova novela das sete. Suas constantes viagens ao Rio (a peça é encenada em São Paulo) despertam em Pedro certo ciúme ao mesmo tempo que atrai um público indesejado ao espetáculo. Uma conversa, um mal entendido, e a possibilidade da perda acaba sendo maior que a vontade de resolver de forma prática o primeiro qüiproquó do casal. Três anos se passam. A visão dos dois sobre aquela relação que ficou no passado muda. Será hora de tentar novos modelos de amar o outro? De mantê-lo junto de si? “Sofrer é ruim de qualquer jeito”, diz Ana em determinado momento do filme. Porque não escolher o caminho mais fácil para se ter a pessoa amada a seu lado?
Guel Arraes é conhecido por suas comédias com toques regionais. O ritmo continua o mesmo, mas aplicado de forma diferente. O roteiro (escrito junto do seu recorrente parceiro Jorge Furtado) de Romance explora uma interessante circularidade: o tema da representação seja nos palcos seja na convivência com o outro é recorrente, e aparece sempre de modo inteligente. É inevitável não perceber, por exemplo, certa crítica nas cenas das gravações da tal novela que Ana protagoniza (retratada num tom bem almodovariano, diga-se de passagem), em contraponto com a atuação de um ator de teatro. Qual a finalidade de ambas? Existe diferenças, e se elas existem, existe julgamento de valor aí?
Na seqüência da gravação do especial de fim de ano, que Pedro é convidado a dirigir, o personagem criado por Orlando (Vladmir Brichta sensacional), José de Arimatéia é que divide os sentimentos de Ana. E possível se apaixonar por alguém que não existe? Ou melhor: não nos apaixonamos sempre por uma representação que nós e apresentada por alguém?
Guel Arraes roteiriza ações e qualquer seqüência é bem característica do diretor. Sua marca está não só nos planos, mas no gestual dos atores, que remete sempre a uma coisa burlesca (isso desde O Auto da Compadecida) que contribui também neste drama, dando um ritmo peculiar, uma agilidade.
O elenco não poderia ser melhor. Grandes nomes, em atuações interessantes, com destaque para Letícia Sabatella (já disse aqui em algum lugar que ela é nossa Rachel Weisz) e Andréa Beltrão. Sensacionais.
Um filme leve, bonito, e diferentemente da teoria que defende, presenteia o casal principal com um final feliz. Não sem antes reverem seus valores e aceitarem que o amor, pode dar certo, basta buscar vivê-lo de uma forma menos idealizada. Mais pragmática talvez. Recomendo.