A complexidade do amor envolve o contexto social onde os envolvidos estão inseridos, então a época de cada história de amor é determinante para o comportamento de quem ama. Como se não bastasse, seres humanos também são complexos, portanto, há diversas maneiras de amar e cada indivíduo ama à sua própria maneira. Com isso em mente, Vidas Passadas (Past Lives), filme de estreia da sul-coreana Celine Song que estreia nos cinemas brasileiros na próxima quinta-feira, 25/01, conta a história de Na Young e Hae Sung, que se conhecem na infância e, quando a garota se muda da Coreia do Sul para o Canadá com a família e vira Nora, eles perdem contato. O tempo passa e, já adultos, voltam a ter contato pela internet e, aos poucos, cada um passa a ter uma expectativa diferente em relação ao outro.
O amor maduro tem dessas, né? A gente fica em dúvida entre se jogar de braços abertos, correndo o risco das consequências de parecer uma pessoa “emocionada”, e manter os pés no chão enquanto vive uma relação de conveniências. O amor não basta, então precisamos sempre justificar o sentimento. Por que fulano ama cicrano? A consciência de que o sentimento não é autossuficiente e que precisa de acordos é um verdadeiro balde de água fria e nos traz o entendimento de que nem sempre aquela pessoa com quem passamos a maior parte da vida e construímos algo juntos é a que a gente mais amou. Ou talvez, até seja, mas é um amor diferente, construído. Isso não o torna menor, só não corresponde ao que a gente cresce acreditando.
Hae Sung (Teo Yoo), mesmo adulto, se permite cultivar o que sente por Nora (Greta Lee) e se mantém fiel aos próprios sentimentos, enquanto a jovem prioriza a carreira e tem os pés no chão, o que não significa que também tenha sentimentos. No meio disso e da tentativa dos dois de tratar a situação com sensatez e maturidade, está Arthur (John Magaro, de A Grande Aposta), marido de Nora. Em um diálogo com a esposa, ele expõe todos os pontos de comodidade que levaram o casal a consolidar o relacionamento, nenhum deles ligado a algo romântico, é tudo ligado à burocracia enfrentada pela vida adulta. Arthur e Nora “se escolheram” por questões além do sentimento. Pode não ser romântico, definitivamente, não é o que vemos nos contos de fadas, mas é algo real, concreto e possível.
O roteiro e a direção de Song exalam sensibilidade e cuidado, com diálogos potentes e reflexivos. Teo Yoo e Greta Lee estão ótimos em tela e abraçam os sentimentos de seus personagens. Nora tem desenvoltura para dialogar e se mostra firme em seus propósitos, enquanto Hae Sung carrega as dúvidas de quem se permite amar incondicionalmente, um pouco de timidez e uma imensa vontade de ser compreendido por Nora.
O gosto do amor moderno ou consciente não é doce. Pode ser agridoce, mas o mais comum é que seja amargo mesmo. Cabe a quem assume os riscos se dispor a encarar a realidade.
Produzido pela A24 e com distribuição da California Filmes, Vidas Passadas foi eleito o melhor filme na última edição do Gotham Awards e foi indicado em cinco categorias tanto no Independent Spirit Awards quanto no Globo de Ouro. Na última terça-feira, 23/01, o longa foi anunciado como um dos indicados ao Oscar de Melhor Filme e Melhor Roteiro Original. A premiação ocorre dia 10 de março.