por Julie Ribeiro
Timothée Chalamet é um dos rostos mais conhecidos do cinema atual estadunidense, tendo protagonizado recentemente Wonka (2023), Duna (2021) e Duna 2 (2024), além do estrondoso Me Chame pelo Seu Nome (2017), filme que o fez ficar conhecido pelo grande público. Apesar da versatilidade do ator de 30 anos, confesso que me surpreendeu a escalação de Chalamet para viver Bob Dylan, um dos maiores compositores e cantores de todos os tempos, devido à falta de semelhança física entre eles. Ainda, o estranhamento do ator franzino como um dos maiores poetas da música acontece logo no início de Um Completo Desconhecido (2024), dado o reconhecimento da persona de Timothée. No entanto, esse espaçamento rapidamente se dilui quando o ator canta pela primeira vez, com trejeitos e voz característicos do cantor, nos demonstrando que estamos sim, diante de outra grande performance do artista, que conduz o filme com muita força e carisma.
A obra de James Mangold, diretor de Ford vs. Ferrari (2019) e Logan (2017), foca no início da carreira de Dylan, no oferecendo um recorte que se passa durante os anos de 1961 a 1965, ao acompanhar a chegada do artista à Nova York, até o início de seu sucesso. Um dos méritos do filme é o paralelo realizado entre os cenários político e social da época, com a criação das letras por Dylan. Em um contexto de Guerra Fria, Guerra do Vietnã, Crise dos Mísseis em Cuba, e as mortes de John F. Kennedy e Malcolm X, vemos a história interferindo e potencializando as letras e a trajetória de Bob, com a constante inquietação de um artista expoente da contracultura, nunca satisfeito com o que já tem, e que sempre segue em busca de algo novo.
Alçado à fama por uma espécie de mentor, o cantor de folk Pete Seeger (o ótimo Edward Norton, de A Outra História Americana), Dylan conhece os seus ídolos, Woody Guthrie (Scoot McNairy, de Argo), e Johnny Cash (Boyd Holbrook, de Indiana Jones e a Relíquia do Destino), com quem troca correspondências, e, passa rapidamente a ser admirado pelos artistas. No entanto, é a relação com Joan Baez (a excelente Monica Barbaro, de Top Gun: Maverick), que salta na tela, principalmente nas cenas em que Dylan compõe, ou quando cantam juntos. Vale ressaltar que Chalamet, Barbaro, Norton e Holbrook, não utilizaram nenhum tipo de dublagem e cantaram todas as músicas de seus personagens.
Com a formação de um triângulo amoroso entre Dylan, Baez e Sylvie Russo (Elle Fanning, de Demônio de Neon), personagem fictícia criada a pedido do próprio Bob para não expor Suze Rotolo, a namorada dele à época, o filme nos apresenta os impulsos criativos a moldar um artista. Desde o engajamento por igualdade racial de Sylvie, entre duetos no Newport Folk Festival com Baez, chegando à Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade, acompanhamos um Dylan como profundo conhecedor de música e com excelente prosódia, mobilizado para a contestação social. As cenas que envolvem o triângulo são algumas das melhores do longa, como a primeira execução de Blowin’ In The Wind de forma despretensiosa pós sexo, ou Masters Of War, para uma plateia angustiada por uma iminente guerra, além de a apresentação de The Times They Are A-Changin’, quando Sylvie percebe que algo realmente mudou. Além da satisfação dos cantos à capela de Dylan e Baez, Mangold nos presenteia com as gravações de músicas icônicas, além da apresentação apoteótica de Like a Rolling Stone pela primeira vez, na transição do artista do folk para o rock (se é que dá para tentar enquadrar em estilos tão definidos), um verdadeiro deleite para os fãs da música e da genialidade de Bob Dylan. De forma sagaz, o filme estabelece a música de Dylan como uma forma de narrativa, que conduz o espectador para o amadurecimento e a consolidação de um estilo particular de se fazer arte.
Indicada a oito Oscars, incluindo Melhor Filme e Melhor Direção, Um Completo Desconhecido é uma obra fluida, sensível e que ressoa sem muito esforço, o que só reitera a excelente realização de James Mangold. Ao mostrar os experimentalismos de um artista transgressor que não aceita rótulos, que utiliza da poesia para fazer crítica social e acaba transformando tudo em hit (que Bob Dylan não nos leia!), o filme apresenta uma parte da história da música sendo feita. Como um gigante que mescla inocência e rebeldia, que, ao sentir o peso das cobranças e do sucesso nas costas, se transporta para outro lugar, onde se sente um estranho, a obra reafirma Dylan como um artista que não aceita ser moldado. Se ainda ficou alguma dúvida: sim, é um excelente filme; sim, faz jus ao legado de Dylan; e sim, Chalamet merece todo o hype. Estreia nos cinemas brasileiros em 27 de fevereiro.