JOHN CARNEY FICOU FAMOSO POR FAZER PARTE DA BANDA THE FRAMES, ao lado do amigo Glenn Hansard. Foi na companhia do ex-parceiro de banda que Carney encantou cinéfilos do mundo todo com Once. Anos depois, lançou o delicioso Mesmo se Nada Der Certo. Ambos dividem o amor pela música como combustível, assim como é o caso de Sing Street (2016).
A facilidade com que o diretor consegue retratar personagens apaixonados pelo seu trabalho musical é uma coisa fora de série. Cameron Crowe e Richard Linklater são duas grandes referências quando se fala da combinação música e cinema, mas a verdade é que Carney não fica atrás de nenhum deles e ainda tem a vantagem de poder dizer que fez parte de uma banda de sucesso. O ingrediente especial de seus filmes é humanizar seus protagonistas e criar uma relação romântica que é aquecida por quem divide um mesmo interesse profissional. Carney fala da realização dos nossos sonhos como ninguém.
Sing Street apresenta o jovem Conor (Ferdia Walsh-Peelo), que vive com a família em Dublin e se apaixona por uma garota chamada Raphina (Lucy Boynton), na década de 1980. Para conquistá-la, o jovem decide montar uma banda de rock e descobre os caminhos para conciliar seus interesses pessoais com os profissionais.
Assim como nos dois trabalhos anteriores mencionados, Sing Street possui um material musical original cativante. Mesmo sem repetir a intensidade das canções de Hansard em Once, as faixas seguem um padrão pop aceitável. Um dos motivos que tornam as canções envolventes é que Carney transforma o espectador em testemunha de todo o processo de composição. Isso faz a maior diferença e até ajuda a entender porque certos músicos são tão apaixonados pelo próprio trabalho. Acompanhar o nascimento de uma música é arrepiante, principalmente para quem está familiarizado com isso. Carney recria esse universo com perfeição e nos convence de que seus personagens estão realmente num estado de amor pleno pela arte que produzem.
Vale notar a série de homenagens prestadas pelo diretor de uma forma muito inteligente e que ajuda a desenvolver a narrativa. A cada nova banda que Conor conhece, sua atitude muda na sequência. Por exemplo, ao conhecer o conceito de “feliz e triste” com o The Cure, Conor passa a adotar um visual mais sombrio e melancólico; e assim por diante. Nada em Sing Street é por acaso. Existem detalhes no roteiro que renderiam enormes discussões (o velho conflito do novo com o velho é escancarado com a dificuldade do pai de Conor em aceitar a invenção dos clipes musicais), mas isso é um papo para outra oportunidade.
Ao mesmo tempo em que trabalha tão bem a emoção artística, Carney também é eficiente ao recriar os dramas de um adolescente comum. Depois de sair de sua escola chique, Conor passa a conviver com crianças de classes sociais bem mais baixas. Ou seja, seu jeitinho meigo se torna alvo dos valentões e até do diretor da escola. Paralelamente aos problemas na escola, Conor também lida com o divórcio dos pais. No meio disso tudo surge Raphina, a garota que muda tudo e age como elemento motivacional para que o jovem use todos os seus problemas de forma produtiva. Por conta desse amor, que é a sua fuga do mundo opressor que vive, Conor começa a colocar em prática um sonho que só passou a existir a partir do seu interesse em impressionar uma garota.
Recomendado para todos os públicos, o longa-metragem é uma dica certeira para qualquer um que sinta um amor incondicional pela música. Não tenho a menor dúvida de que Sing Street é uma obra tão obrigatória quanto Once, Quase Famosos, Escola de Rock, Spinal Tap, Alta Fidelidade, The Wonders, dentre outras.
Sing Street está no nosso ranking de 30 melhores filmes de 2016.
Texto de fevereiro de 2017.