O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de Saltburn possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
EITA. Sabe quando dizem “não sei dizer, só sei sentir”? É exatamente assim que me senti após conferir a nova aventura de Emerald Fennell atrás das câmeras em Saltburn. O resultado é uma mistura moderninha de Segundas Intenções e O Talentoso Ripley com trilha sonora de indie rock dos anos 2000. E eu gostei muito. Vejo grandes motivos para tal.
A trama apresenta um jovem tímido que faz amizade com um garoto rico, que o leva para passar as férias na mansão milionária da sua família. Durante o descanso, descobrimos que por trás da timidez existe uma ambição e inveja sem limites, de uma pessoa disposta a qualquer coisa para viver como se tivesse dinheiro.
Barry Keoghan há muito tempo se consolidou como um nome para acompanharmos atentamente. Seu trabalho em O Sacrifício do Cervo Sagrado já deixava pistas do futuro brilhante do ator, que também se destacou em Os Banshees de Inisherin. Mas é em Saltburn que recebe a sua primeira grande chance de ser um protagonista completo, sem precisar dividir espaço com nenhum nome mais famoso.
Sua expressão fria é como uma onça observando a sua presa, sem pressa, sem ações precipitadas. Ainda que consiga enganar os outros personagens com a sua “timidez”, Oliver faz dos espectadores seus cúmplices em um elaborado plano maquiavélico para conquistar seus objetivos. Ao final do filme, nós sentimos medo e angústia, enquanto assistimos ao sujeito dançando livremente, balançando a sua benga de um lado para o outro como se não houvesse amanhã. E é justamente isso (o ator, não o pênis do ator) que torna Saltburn um filme tão volumosamente interessante, com o perdão do trocadilho.
Quando faço a referência de Segundas Intenções não é por acaso. Não apenas pela participação da trilha sonora quase como um personagem, mas pela semelhança de Oliver com os personagens de Sarah Michelle Gellar e Ryan Phillippe. Os três são dissimulados e não medem esforços para conquistar seus objetivos, independente disso significar passar por cima de outras pessoas. Ou transar com qualquer obstáculo, independente do gênero ou idade. Os coadjuvantes liderados por Jacob Elordi também remetem ao “clássico” de 1999. Todos tão cheios de vida, boas intenções, hormônios e cegos para o golpe que se aproxima.
Nesse ponto, também podemos lembrar do excelente trabalho de Matt Damon no suspense O Talentoso Ripley, que talvez seja a principal referência do roteiro de Fennell. Ainda que Oliver não seja um estelionatário como o personagem de Damon, ambos compartilham a disposição de fazer qualquer coisa e a crença que não serão pegos. Oliver mente, usa e engana todos ao seu redor. Faz isso com maestria e não hesita em avançar com o seu plano quando é desmascarado. A psicopatia presente em Oliver é digna do hall de grandes psicopatas do cinema, pelo menos nos últimos 24 anos.
Emerald Fennell se tornou um nome forte em Hollywood após ver Bela Vingança ganhar atenção nas redes sociais e receber indicações ao Oscar (e um prêmio de Melhor Roteiro). Saltburn passa no teste do segundo filme e coloca a diretora no caminho para o sucesso. Resta saber se Fennell conseguirá sustentar sua carreira ou repetirá os passos de Diablo Cody, uma roteirista com um estilo ácido semelhante e que não correspondeu às expectativas injustas da indústria.
Em Saltburn, a diretora direciona suas críticas para o ninho familiar de pessoas completamente incapazes de viver a realidade do mundo fora do conforto proporcionado pelo dinheiro. Combinando várias cenas bizarramente desconfortáveis, Fennell acerta em cheio na sua missão de criar a obra mais polêmica possível para encerrar a temporada. Talvez seja tão superestimado quanto Bela Vingança, mas tudo bem. Pelo menos está bem longe de ser um filme ruim ou medíocre. Que venham os próximos trabalhos dessa diretora tão peculiar.