O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de O Mundo Depois de Nós possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
O NOME DE SAM ESMAIL PODE NÃO SER RECONHECIDO DE PRIMEIRA, mas basta falar que é o cara por trás da série Mr. Robot para a maioria das pessoas lembrar de quem se trata. No meu caso, que não vi e não pretendo ver a série, não significa absolutamente nada. Isso torna a experiência de ver o thriller apocalíptico O Mundo Depois de Nós (Leave the World Behind, 2023) livre de qualquer expectativa.
Estrelado por Julia Roberts, Ethan Hawke e Mahershala Ali, a trama acompanha uma viagem de família que acontece ao mesmo tempo que a civilização sobre um ataque ciberterrorista. Sem entender porque a televisão e os smartphones pararam de funcionar de repente, a família recebe a inesperada visita de um homem acompanhado de sua filha.
Gosto dos minutos iniciais serem recheados de planos mirabolantes, como um plano sequência dentro do carro (referência a Filhos da Esperança, de Alfonso Cuarón?) e outro que começa de cabeça para baixo e mostra Roberts caminhando pela casa. Esse segundo plano é uma antecipação de que o mundo desses personagens deixará de ser o que eles conheciam.
O filme começa com Amanda (Roberts) mexendo na mala e fazendo um discurso sobre observar o comportamento das pessoas acordando cedo para trabalharem… e como ela odeia cada uma dessas pessoas. É uma bela introdução para contextualizar a personagem e sua forma de ver o mundo, enquanto o marido é apresentado como o cara passivo que aceita tudo.
A visita de George (Ali) causa uma inquietação na família de Amanda e também em nós, espectadores. Somos levados a acreditar desde o começo que ele sabia o que estava acontecendo, mas a ambiguidade nos leva a acreditar em caminhos diferentes daqueles escolhidos pela obra – felizmente. Essas opções reforçam uma sensação de racismo velado da protagonista, que reforça não confiar em George e sua filha. No entanto, essa crítica nunca é desenvolvida e serve para escancarar nossas contradições como pessoas. Inclusive, a própria filha de George também fica na defensiva o tempo inteiro, demonstrando não querer ficar perto daquela família branca.
Boa parte da ação de O Mundo Depois de Nós acontece dentro da casa, porém existe toda uma parte dedicada às explorações de George e são momentos tensos. Primeiro com os corpos de passageiros e tripulantes de um acidente de avião, depois com uma outra aeronave se aproximando e caindo na praia. Para uma narrativa cheia de críticas e humor ácido, a violência da sequência causa um verdadeiro choque para mostrar o quanto a intenção do roteiro é mostrar o fim do mundo.
O grande acerto do longa é a sua forma de analisar a situação. Ao invés de tentar enveredar pelo lado investigativo, o roteiro foca em mostrar a família na “escuridão”, sem ter a menor ideia do que está acontecendo de verdade. Em tempos de inteligência artificial se popularizando cada vez mais, Esmail cria uma narrativa forte em apontar o dedo para o quanto a nossa existência é dependente da tecnologia. De forma pouco sutil, o diretor até diz isso para o público na cena em que Hawke diz que não é nada sem o seu celular. Não seria essa a realidade de todos nós?