review o astronauta

Review O Astronauta: Uma sessão terapêutica com uma aranha no espaço

O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de O Astronauta possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação. 

 

poster o astronautaO ESPAÇO É A METÁFORA PERFEITA PARA A SÉTIMA ARTE FALAR DE SOLIDÃO. É assim em 2001: Uma Odisseia no Espaço (2001: A Space Odyssey, Stanley Kubrick, 1968), Solaris (Andreï Tarkovski, 1972), Lunar (Moon, Duncan Jones, 2009), Gravidade (Gravity, Alfonso Cuaron, 2013), Ad Astra (James Gray, 2019), e agora com O Astronauta (Spaceman, Johan Renck, 2024), com a curiosa escalação de Adam Sandler no papel principal. 

Na superfície, O Astronauta fala apenas sobre a exploração de um astronauta até os confins do sistema solar em uma importante missão espacial. Sua concentração é abalada pelas comunicações com a esposa e um visitante inesperado: uma aranha gigante falante. Porém, a narrativa reserva muitas surpresas e se torna uma profunda imersão terapêutica, que usa a solidão do espaço como uma metáfora para a distância do casamento do protagonista Jakub (Sandler) e sua esposa Lenka (Carey Mulligan). 

Sandler já se provou um ator competente diversas vezes. Seja nas comédias (Afinado no Amor), no romance (Embriagado de Amor), no drama (Reine Sobre Mim) ou suspense (Joias Brutas), ele confirma sua qualidade e uma preferência duvidosa por obras rasas que “mancham” sua carreira (dentro da perspectiva dos cinéfilos mais exigentes. Ou esnobes, se preferir). O Astronauta pode causar um certo choque com a sua base de fãs tradicionais, já que a obra está muito distante do que ele faz geralmente. Especialmente pelo detalhe inusitado de uma aranha falante e ser um lançamento da Netflix, existe o risco dos desavisados assistirem achando que se trata de uma comédia. Não é o caso, definitivamente. 

Em O Astronauta temos mais um trabalho de alto nível de Sandler. Jakub é uma figura consumida pela culpa, ressentimento e solidão. Consciente do seu personagem, mesmo em momentos mais leves, Sandler nunca abre espaço para o espectador lembrar de seus filmes/personagens mais populares. É uma experiência dolorosa passar pela jornada cheia de revelações do personagem até seu amadurecimento na conclusão da narrativa. Mérito do ator, e também, claro, da direção. É intrigante pensar que O Astronauta é o primeiro longa-metragem dirigido por Johan Renck desde o seu elogiado trabalho na minissérie Chernobyl (2019). 

A voz grave de Paul Dano (Sangue Negro e The Batman) é outro ponto de atenção no longa-metragem. O espectador nunca tem plena certeza se a existência da aranha é um delírio ou uma entidade de outro universo. E isso pouco importa no final das contas, já que a sua função é muito maior do que a discussão do que ele é. A aranha tem um papo cabeça, daqueles que ficam fortes, acolhedores e extremamente compreensíveis. Cada palavra dita tem um objetivo e um impacto direto. A partir das suas observações, Jakub encara a sua vida pela primeira vez e se perdoa pelas decisões erradas e todo o tempo perdido como consequência. Para não dizer que O Astronauta é só uma bela reflexão existencial, existe uma piada hilária sobre como doce funciona para aliviar nossos problemas mentais. 

Ainda que Lenka (Mulligan) não receba o mesmo carinho do roteiro (a personagem é unidimensional: não sabemos nada sobre ela, além de ser a esposa grávida decidindo encerrar o relacionamento no momento da viagem espacial do marido), é também um retrato de como homens egoístas e autocentrados costumam enxergar as pessoas preciosas ao seu redor. Mesmo com todo o amor que sente e demonstra do seu jeito, Jakub tem uma imensa dificuldade de estar presente para ser um companheiro de verdade. Nesse ponto, o que pode ser acusado como defeito em uma análise menos profunda ou sob outra perspectiva, é apenas mais um ponto positivo da obra. 

Adicionando ainda Interestelar (Interstellar, Christopher Nolan, 2014) e Perdido em Marte (The Martian, Ridley Scott, 2015) como outras referências parecidas, O Astronauta é perfeito na sua proposta de ser uma sessão terapêutica. Com delicadeza e leveza, a obra não deixa de ser firme ao retratar a depressão e o sentimento persistente de se sentir sozinho o tempo todo. Mesmo com Adam Sandler no papel principal, esse não é um filme para qualquer pessoa e exige do espectador uma bagagem emocional que, felizmente, boa parte do público nunca precisou vivenciar. 

O Astronauta está disponível na Netflix.