O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de Não Fale o Mal possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
A PARTIR DO MOMENTO EM QUE OS MAIORES ELOGIOS PARA O REMAKE DE UM DOS MELHORES FILMES DE TERROR DE 2022 dizem respeito à cena em que James McAvoy aparece de cueca, você pode suspeitar que algo deu errado. Não com o corpo do ator, diga-se de passagem. Parece um bom playground para brincar de pula-pirata, pica-esconde ou jogos do tipo. Mas se você procura por um bom entretenimento ou vestígios do original, lamento dizer que a cuequinha de McAvoy é mesmo a melhor coisa do filme.
A produção dinamarquesa foi uma das grandes surpresas do gênero terror há pouco tempo e figura, desde então, entre um dos melhores filmes da década para amantes desse tipo de produção. O seu trunfo mais irresistível era mostrar os problemas de ter uma boa educação, de não saber dizer “não”, e se surpreender com o quanto o sentido de “limites” pode ser amplo. Além disso, como um bom longa de terror europeu, existe um realismo cru e objetivo, que choca o espectador com a naturalidade da sua violência extrema e também como ela acaba de forma brusca.
Em Não Fale o Mal, acompanhamos uma viagem de férias de uma família em crise. Eles decidem passar um final de semana com um casal de novos amigos e aos pouquinhos vão se sentindo cada vez mais desconfortáveis na companhia desses desconhecidos.
A preguiçosa releitura norte-americana tem James Watkins como criminoso responsável. O único crédito decente da sua filmografia é Sem Saída (Eden Lake, 2008), que coloca Michael Fassbender e Kelly Reilly em uma situação sufocante. De resto, é como se fosse um diretor especializado em torturar os espectadores e agradar os estúdios. Sua visão de Não Fale o Mal é covarde e mais se parece um horror inspirado em Quentin Tarantino sob efeito de ecstasy. Até o começo do terceiro ato, fiquei me perguntando o porquê tanta gente estava lamentando o preço da alfabetização e do tempo perdido assistindo a essa bomba mequetrefe de flatulências pouco cheirosas. E então, eu tive a minha resposta.
Entendo que Hollywood seja uma indústria preparada para saciar a preguiça de ler (e pensar) dos ianques. Eles já estragaram Oldboy, planejam cagar em Parasita e agora repetem a dose com Speak no Evil. Só que as liberdades criativas tomadas para atender aos desejos comerciais do público se tornam ofensivas. Especialmente porque eles raramente demonstram coragem de criar finais “frios” e infelizes, ou machucar crianças. Digamos que o Speak no Evil original não se preocupa muito com a idade dos seus personagens e reserva destinos crueis para todos. Não Fale o Mal caminha em direção contrária e o resultado é inferior.
Watkins prefere criar algo 100% novo durante o terceiro ato e flerta seriamente com a ideia de ser um Esqueceram de Mim com adultos (melhor executada em O Colecionador de Corpos, inclusive). Ao ceder para o desejo primitivo de justiça e vingança dos espectadores, o diretor anula a lembrança do original e dá um mergulho de ponta cabeça em uma piscina de crianças. Pena que só a gente sente a dor.
As caracterizações dos personagens também contribuem para o clima de velório do terceiro ato. O personagem de Scoot McNairy é um bundão. Não sei dizer se é fruto de uma tentativa de quebrar o padrão e empoderar a protagonista Mackenzie Davis (muito bem, vale dizer) ou apenas uma tentativa de alívio cômico, mas o ponto é que queremos arrancar os nossos próprios olhos quando comparamos com o original. Talvez esse seja o problema, afinal. Feliz de quem não viu Speak no Evil. Sorte de quem sentou e se divertiu no cinema. A ignorância, de fato, é uma benção.