Se existisse um manual de “Como Fazer um Documentário de Artista”, Milton Bituca Nascimento seguiria cada página à risca – e ainda incluiria uma dedicatória sentimental no final. Flávia Moraes nos entrega um retrato grandioso do cantor e compositor, capturando os bastidores de sua turnê de despedida e o amor transbordante dos fãs. É bonito, emocionante e tem o peso histórico de um artista que moldou a MPB. Mas também é tão cheio de exaltações que, em alguns momentos, parece que estamos assistindo a uma cerimônia de canonização.
A narrativa segue Bituca por dois anos, registrando os últimos shows e sua despedida dos palcos, com direito a depoimentos de ícones como Gilberto Gil, Mano Brown, Quincy Jones e até algumas surpresas internacionais. Quem já viu um show da turnê vai reconhecer momentos icônicos, mas o documentário busca entregar algo a mais, seja pela proximidade inédita com o artista, seja pela narração solene de Fernanda Montenegro, que dá ao filme o tom de um audiolivro de história sagrada.
O maior mérito do documentário é capturar a relação única entre Milton e seu público. Poucos artistas alcançam essa comunhão tão profunda, onde cada canção transcende o status de simples melodia para se tornar parte da memória afetiva coletiva. A câmera passeia entre multidões emocionadas, olhos marejados e vozes que entoam suas músicas como se fossem parte de um ritual sagrado. A devoção é palpável – e faz sentido. Milton não é apenas um cantor, mas um símbolo vivo da música brasileira, alguém cuja voz ecoa por gerações com a mesma força e sensibilidade de sempre.
O problema é que o filme se entrega tanto a essa adoração que esquece de mostrar o Milton além do mito. Sim, há momentos de intimidade e bastidores, mas tudo é cuidadosamente embalado para a veneração máxima. Conflitos? Esqueça. Dificuldades na carreira? Não aqui. Questões mais complexas sobre sua trajetória? Nada disso. Milton Bituca Nascimento não quer questionar, só quer exaltar – e, nesse sentido, cumpre sua missão com louvor.
A escolha de focar apenas na turnê final também limita a profundidade da narrativa. O documentário é menos uma retrospectiva e mais um diário de despedida. Não há grandes mergulhos na trajetória de Milton, nem um estudo aprofundado sobre sua influência na música brasileira e internacional. Se você é um fã que quer reviver os últimos shows e se emocionar com as despedidas, o filme é um prato cheio. Mas se espera uma análise mais rica e multifacetada da lenda, pode sentir falta de algo.
No fim, Milton Bituca Nascimento é um documentário digno do seu protagonista – imponente, emocionante e reverente. Mas talvez, assim como Milton sempre reinventou sua música, o filme pudesse ter ousado mais na forma e no conteúdo. Ainda assim, para os fãs, é uma despedida à altura do mestre. Se existisse uma trilha sonora para a emoção coletiva que ele causa, certamente seria “Canção da América” tocando enquanto créditos sobem e a gente seca uma lágrima no canto do olho.