Review: Mamonas Assassinas – O Filme abraça os órfãos da banda

Filmes biográficos são complicados por diversos fatores. Há expectativas distintas por parte do público, é necessário cuidado ao retratar alguém em tela e, ainda, uma questão sobre como lidar com a família porque, muitas vezes, a verdade nua e crua não é o que os entes querem que o público tenha acesso. Mamonas Assassinas – O Filme, que chega aos cinemas no próximo dia 28 com distribuição da Imagem Filmes, carrega algumas vantagens consigo. A principal delas é consequência do terrível fato da carreira da banda ter acabado tão rápido e tão tragicamente em uma época em que não havia redes sociais e a internet doméstica não havia se popularizado. O grupo, então, não teve tempo de ser “cancelado”, por mais que pudesse haver quem não gostasse de suas músicas (não conheço um indivíduo).

Alguns fenômenos da música são difíceis de explicar para quem não viveu a época. Balão Mágico (1982-86), Menudo (1977-96) e Spice Girls (1994-2000) são alguns exemplos de grupos que fizeram sucesso estrondoso logo nos primeiros anos de carreira e expandiram essas conquistas para além da música. Em apenas quatro anos, o Balão Mágico vendeu 5 milhões de discos no Brasil, ganhou um programa matinal na maior emissora de TV do país e gravou com nomes como Roberto Carlos, Djavan, Fábio Jr. e Pepeu Gomes. Entre 1996 e 1998, as Spice Girls lançaram dois discos, protagonizaram um filme, foram premiadas, bateram diversos recordes e ganharam inúmeros produtos. No começo dos anos 80, o Menudo ganhou bonecos, um jogo de tabuleiro e outros produtos. Estes grupos citados se dissolveram por diferentes motivos e alguns dos ex-integrantes seguiram carreira artística, então quando se fala deles, a sensação que surge é de nostalgia, uma lembrança de uma época boa e a percepção de que a vida (e as respectivas carreiras) seguiram o curso natural das coisas.

Quem testemunhou o sucesso estrondoso dos Mamonas Assassinas sabe que, com eles, as coisas foram diferentes. Entre 1995 e 96, a banda formada por cinco rapazes de Guarulhos (SP) alcançou o sucesso e foi arrancada dos braços do público de maneira abrupta e cruel. Adultos e crianças choraram pela morte dos integrantes da banda. Foi cruel, repentino, inesperado e inacreditável. Por isso e por outros motivos, o lançamento de Mamonas Assassinas – O Filme carrega uma grande responsabilidade: abraçar o público que se viu órfão em 1996, quando o avião que transportava a banda, após um show em Brasília, sofreu uma queda que matou todos os integrantes, além da tripulação.

O filme de Edson Spinello mostra a formação da banda anterior do grupo, Utopia, que se levava muito a sério e carregava uma identidade genérica, uma espécie de mistura entre tudo o que os integrantes gostavam de ouvir. É justamente essa transição do Utopia para Mamonas Assassinas uma das maiores preciosidades do longa. Porque o processo de entendimento de que, enquanto artista, eles não eram as referências que tinham e que precisavam construir uma identidade própria, foi essencial para que eles pudessem, enfim, mostrar o que eles tinham de melhor: o bom-humor. E isso não anula, nem por um segundo, o talento musical que tinham. Muito pelo contrário, o encaixe do que eram, musicalmente falando, com a postura carregada de humor fez com que os conceitos se tornassem algo único.

Como era de se esperar, a vida pessoal dos membros da banda é mencionada no longa. Alguns integrantes, nesse sentido, têm um destaque maior do que outros. O tecladista Júlio Rasec (interpretado por Robson Lima) e o guitarrista Bento Hinoto (vivido pelo sobrinho do músico, Beto Hinoto) são pouco mencionados fora da banda.

Já os irmãos Samuel (Adriano Tunes) e Sérgio Reoli (Rhener Freitas) baixista e baterista, se envolvem em uma trama romântica que não faz o menor sentido e não acrescenta em nada à história. 

O público que acompanhou o Mamonas Assassinas em programas de TV sabe que o Dinho tinha uma namorada bastante presente, a Valéria Zoppello, que apareceu com o músico diversas vezes. Fiquei surpresa com a personagem retratada na tela porque não se trata de Valéria e sim de Adriana (Fefe Schneider), uma espécie de compilação de mulheres que passaram pela vida do vocalista. A personagem tem uma postura tóxica, que vai contra tudo o que o grupo transmitia.

Quem vive Dinho no filme é Ruy Brissac, que esteve no mesmo papel nos palcos, por dois anos, com o Mamonas Assassinas – O Musical. Embora o elenco esteja em sintonia, é perceptível a segurança que Ruy sente ao interpretar o vocalista e isso o destaca.

O roteiro de Carlos Lombardi se apoia nas relações que permeavam a banda e os sentimentos de cada um, apesar de não esconder a irreverência dos integrantes. Um dos grandes momentos do longa é quando Dinho faz um discurso de incentivo no ginásio Thomeuzão, onde, anos antes, eles escutaram que seria impossível tocar ali. “O impossível não existe”, ele diz, e não existe mesmo. Quem acreditou que seria impossível cinco jovens de origem humilde alcançarem o sucesso estava equivocado, assim como também estava equivocado quem teve a inocência de acreditar que aquele presente que nos foi dado duraria para sempre.