O CINEMA DE BUTECO ADVERTE: A crítica de Mamonas Assassinas: O Filme possui spoilers e deverá ser apreciada com moderação.
O MAMONAS ASSASSINAS FOI A REPRESENTAÇÃO PERFEITA DE UM COMETA. Em apenas oito meses conquistaram o Brasil com seu carisma e bom humor, em uma época livre de cancelamentos no tribunal das redes sociais. Todos os domingos estavam nos programas de TV da Globo e SBT, o que tornava a presença do quinteto como uma verdadeira “família” para as crianças, adolescentes e adultos da época. Quem viveu, sabe como foi especial. E por isso mesmo, a aguardada adaptação chega condenada pelas nossas próprias expectativas e apego emocional.
Contando com o retorno do excelente protagonista de O Musical Mamonas (uma homenagem muito mais emocionante, diga-se de passagem), a cinebiografia apresenta a trajetória de Dinho (Ruy Brissac), Bento (Beto Hinoto – sobrinho do guitarrista da banda), Júlio Rasec (Robson Lima), Samuel Reoli (Adriano Tunes) e Sérgio Reoli (Rhener Freitas) até seu sucesso meteórico.
Além do trabalho de Brissac, cujos elogios no musical continuam ainda mais válidos no cinema, o principal mérito da produção está nas sequências que fazem referências aos processos criativos das canções que fazem parte do disco homônimo da banda. É uma verdadeira viagem ao passado identificar cada uma das faixas e ficar com aquele sorriso feliz no rosto, por lembrar daquela época.
Se levarmos em consideração apenas a parte da homenagem ao legado eterno da banda, talvez seja aceitável ignorar a linguagem mais televisiva, quase como se fossem várias esquetes de um programa de TV tentando contar uma história até chegar ao seu final. No entanto, ainda que conclua seu objetivo, a narrativa faz isso deixando de lado conflitos que poderiam enriquecer o arco dramático dos personagens.
Um exemplo marcante é a relação entre Dinho e seu pai. Desde o começo fica explícito o desejo de ser famoso, mas a motivação presente no filme é o pé na bunda de uma namorada que o trocou por um cara mais rico (referência da música “Lá vem o Alemão”, embora o cara não fosse exatamente lindo, loiro ou forte). O longa reserva para o pai apenas o respeito e admiração do filho, sem aprofundar as discussões ou tentativas de desmotivar a realização do sonho de Dinho. No final, quando os Mamonas já estavam famosos, existe uma cena em que pai e filho conversam e se abraçam, mas é um momento enfraquecido por não ter sido trabalhado previamente.
Imagino que a influência novelesca do roteiro de Carlos Lombardi tenha sido a justificativa para dedicar tanta atenção para o relacionamento amoroso de Samuel. Esse arco com a namorada do rapaz dando em cima do seu irmão Sérgio pode até arrancar risadas do público, mas é uma subtrama boba demais para ser levada a sério no cinema.
Me chamou a atenção também a forma como metade das personagens femininas são retratadas. Primeiro pela interesseira criadora de intriga no seio familiar. Depois pela namorada de Dinho, quase como uma referência direta a Yoko Ono, tentando convencer o cara a seguir carreira solo. Cabe a um homem, na figura do produtor, ser a voz da razão para convencer o vocalista de que sair do Mamonas não era a melhor decisão a ser tomada, independente do assédio financeiro.
Quando faço a injusta comparação com o musical é porque a história da banda recebe uma atenção menos fragmentada ao longo dos seus 150 minutos. Todos os integrantes recebem espaço e atenção, e o desenvolvimento narrativo acaba sendo mais envolvente sem soar apressado ou preocupado em não desconcentrar o público. E principalmente, o musical faz a gente se emocionar sem usar a vida daqueles que viveram o Mamonas como muleta. Existe um cuidado em contar a história de forma independente, e isso faz toda a diferença.
Como um fã do Mamonas, achei indefensável ver o lendário discurso de Dinho no mesmo ginásio em que foram recusados e humilhados anos atrás ser esvaziado e transformado em papo motivacional de coach, bem longe da força do desabafo do vocalista. Essa situação toda merecia uma atenção especial, já que passa despercebida nos momentos finais do filme.
Por fim, fica um questionamento. Será que o Mamonas Assassinas faria sucesso no nosso mundo atual? Em um mundo com tantos avanços em discussões contra racismo, homofobia e machismo, mas ao mesmo tempo tão careta e cerquinha branca, é difícil conceber a ideia de um quinteto formado por homens brancos e heterossexuais sobrevivendo aos possíveis ataques e acusações de violar o politicamente correto. Aliás, não deixa de ser curioso lembrar que eles também foram extremamente criticados na época por causa do senso de humor escrachado. Me pergunto se realmente evoluímos tanto assim de 1995 para cá…
Mamonas Assassinas: O Filme está disponível nos cinemas.