O amor e o sexo exercem muito poder sobre o mundo e, muitas vezes, são antagônicos, mas existe um elemento que, somado a estes primeiros, pode mover montanhas: o desejo. Em Babygirl, longa-metragem da cineasta holandesa
(Morte, Morte, Morte) que chega aos cinemas brasileiros dia 09/01, Romy (Nicole Kidman, da série Big Little Lies) descobre que amor e sexo podem não andar necessariamente de mãos dadas, além de diferentes formas de amar e de ter prazer. Mas, acima de tudo, ela passa a entender o significado do desejo e o seu poder.
Romy parece ter tudo o que uma mulher moderna pode querer: é uma executiva bem-sucedida, tem um casamento sólido com Jacob (Antonio Banderas, de Dor e Glória) com um diretor de teatro que a ama, e duas filhas adolescentes. É respeitada, admirada e amada, tanto na vida profissional quanto na pessoal, porém não se sente realizada sexualmente.
Ela tem tudo sob controle, mas isso muda quando conhece Samuel (Harris Dickinson, de Triângulo da Tristeza), um estagiário disposto a provocá-la e despertar em Romy os seus desejos mais íntimos e reprimidos, aqueles que ela não revela nem ao marido. Enquanto a executiva se mostra uma mulher poderosa e controladora no trabalho, Samuel deixa claro que as coisas acontecem quando e como ele quiser. O primeiro beijo, inclusive, ocorre sob estes termos.
Vendido como um thriller erótico, Babygirl é provocante e cria uma atmosfera excitante em torno dos personagens centrais. A provocação acontece em momentos inesperados e inoportunos, e é construída sem a menor pressa. Em uma sequência que ocorre em uma boate, Halina mostra que a sua direção é firme e objetiva, deixando a sensualidade dominar a tela enquanto passa muito longe da vulgaridade.
O roteiro, também desenvolvido por Halina, não tem a pretensão de julgar Romy, porém deixa claro que a personagem quer “muitas coisas”. Se entregar ao desejo tem suas consequências e não é um comportamento possível de se alinhar com a posição de CEO, esposa e mãe.
Com o marido, Romy é amada e desejada de maneira inofensiva, cabendo na rotina do casal e na vida que escolheram levar. Com o amante, Romy também é desejada, porém é dominada. Mais do que isso, se deixa dominar, e isso vem da vontade de ser uma mulher submissa entre quatro paredes, ao contrário do que transmite em sua vida “comum”.
Nicole Kidman e Harris Dickinson funcionam muito bem juntos em tela. A carga dramática fica, em maior parte, na atriz, porém é quando estão juntos que o espectador consegue captar toda a complexidade dos sentimentos de Romy. Pelo filme, Kidman recebeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Veneza, ano passado. Também concorreu ao Globo de Ouro na categoria melhor atriz de filme (drama), mas o prêmio ficou com Fernanda Torres, por Ainda Estou Aqui.
Babygirl é um prato cheio para quem gosta de utilizar o cinema para observar o comportamento humano. Se fosse um homem bem-sucedido começando a sair com uma funcionária mais nova da empresa, isso seria apenas mais um dia no universo masculino, mas Romy mostra que o desejo feminino se distingue por não surgir aleatoriamente, ele costuma ser direcionado e justificado, mesmo que tal justificativa só faça sentido na cabeça de quem deseja.
Levando em conta a sociedade em que vivemos, que, ao mesmo tempo em que sexualiza quase tudo e quase o tempo todo, também tenta vender diariamente uma história já ultrapassada de que só é possível ser feliz encontrando o amor e que sexo é só um detalhe, não tem problema uma mulher não ter prazer com o parceiro, já que ela é amada (contém ironia), não é verdade? O que a gente pode afirmar é que isso é muito relativo, porque Romy ama Jacob, mesmo sem ter orgasmos com ele, mas será que, se fosse o contrário, ela ainda seria amada ou o marido teria uma amante para cada dia da semana? No caso de Romy, ela não tem do que reclamar (contém ironia novamente).
Podemos ir além e questionar também o amor de Tomy pelo marido. O sentimento é genuíno ou foi cultivado por ela entender que Jacob cabe no ideal de vida perfeita que ela tem, com um relacionamento tradicional, filhas e propriedades luxuosas? Ideal empurrado principalmente para as mulheres diariamente, incentivado e até mesmo cobrado por quem definitivamente não tem nada a ver com isso.
O papel de corno conformado não cabe em Jacob, que assume uma postura racional e tenta minimizar o significado e a profundidade do desejo, algo que boa parte das pessoas faz quando ignora a importância do sexo. Mal sabe ele que reprimir os desejos sexuais não resolve o problema de ninguém, pelo contrário, apenas alimenta a necessidade de saciar as vontades mais absurdas das pessoas.
O desfecho de Babygirl pode parecer preguiçoso, mas olhando mais atentamente é possível perceber que a intenção da cineasta não era a de contar uma história capaz de chocar o espectador e, assim, fazer com que ele saísse do cinema angustiado, surpreso e com a cabeça prestes a explodir. O que ela queria era despertar o desejo e, talvez, provocar uma reflexão acerca deste sentimento, mas quem será capaz de refletir, pensar e debater algo depois de 114 minutos de provocação?