leonardo dicaprio e lily gladstone se abraçando em cena de os assassinos da lua das flores

Review Assassinos da Lua das Flores – Scorsese mostra por que seu cinema se mantém relevante depois de seis décadas

review assassinos da lua das flores - posterHá diversas maneiras de fazer poesia. A gente se engana acreditando que somente em texto essa arte pode ser concebida, mas a verdade é que um artista consegue se expressar em diferentes formatos. O cineasta norte-americano Sam Peckinpah (1925-1984), de Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia (Bring Me the Head of Alfredo Garcia, 1973), por exemplo, é considerado o poeta da violência por valorizar a estética de cenas violentas e construir, assim, uma filmografia marcada por títulos que, além de forte carga dramática, carregam sequências fantásticas, cheias de tensão e com direção marcante.

O trabalho de Martin Scorsese em Assassinos da Lua das Flores (Killers of the Flower Moon), longa que chega aos cinemas brasileiros na próxima quinta-feira (19/10), também pode ser descrito como poesia. O que o espectador vê na tela é o cinema sendo tratado com respeito e também respeitando os personagens, seus costumes e, principalmente, o público. Ao longo do filme, as emoções transbordam diante da narrativa excepcional e da entrega comovente do elenco.

Dinheiro pode facilitar a vida de quase todo mundo, porém é um chamariz para inveja e tem capacidade de despertar os instintos mais primitivos de um ser humano. No começo do século 20, a comunidade indígena Osage, detentora de uma fortuna oriunda da exploração do petróleo, percebe que virou alvo de pessoas cegas de ambição e com sede insaciável de dinheiro. Aos poucos, membros importantes da comunidade morrem e a falta de uma investigação aprofundada deixa os remanescentes em alerta. Medo do futuro, crenças e a percepção de que é preciso tomar algumas medidas se misturam e transformam a comunidade.

No olho do furacão, estão Mollie (Lily Gladstone, da série Billions), Ernest Burkhart (Leonardo DiCaprio, de O Lobo de Wall Street) e William Hale (Robert De Niro, de O Irlandês). Mollie e Ernest têm grande potencial como casal e a união pode ser benéfica para a comunidade branca. William, tio de Ernest, é um estrategista que carrega como arma mais letal o carisma.

Em uma performance hipnotizante, Lily Gladstone entrega uma personagem poderosa, apaixonada e cética. Mollie tem ciência da importância da sua origem, da relevância da sua comunidade e da potência do amor na relação que mantém com Ernest. 

Leonardo DiCaprio, mais uma vez, faz bom uso da oportunidade de mostrar em tela sua evolução como ator. A construção de seu personagem o permite mostrar seu domínio sobre a demonstração de emoções. Ernest é um homem com falhas e méritos, como a maioria dos seres humanos. Suas emoções entram em conflito em diversos momentos, sempre com a faísca acesa pelo tio.

Tantas perguntas sem respostas, angústia e desesperança fazem com que o apelo seja maior, e a voz da comunidade em perigo se faz ser ouvida pelo recém-criado FBI (Federal Bureau of Investigation). Porém, há muito para ser investigado além da superfície vista pela nação Osage.

A narrativa trata com respeito a comunidade indígena e abre mão de estereótipos ultrapassados. Ao mesmo tempo, mostra que o homem branco pode ser maquiavélico sem deixar isso transparecer, e a divisão entre mocinhos e vilões vai além do que a primeira impressão pode transmitir.

O filme traz também Brendan Fraser (A Baleia), em uma pequena participação, e Jesse Plemons (Ataque dos Cães) como Tom White, um investigador enviado para desvendar o mistério acerca da comunidade Osage.

Assassinos da Lua das Flores, ao longo de suas 3h26, mostra os detalhes e a dedicação que Martin Scorsese aplica, mesmo depois de seis décadas fazendo cinema. Poderia ter se tornado um faroeste comum nas mãos de um cineasta menos competente, porém nas do brilhante diretor se tornou um épico, uma poesia em forma de cinema, como citado anteriormente, mas sem cair na armadilha de se tornar uma obra pedante. O filme conversa com o público de igual para igual, olhando-o nos olhos e se entendendo como semelhantes.

Entretanto o mérito não é só de Scorsese, o roteiro foi escrito ao lado de Eric Roth (Forrest Gump: O Contador de Histórias) e, na montagem, ele contou com a Thelma Schoonmaker, responsável pela montagem de Os Infiltrados e O Irlandês, além de outros títulos de Scorsese.

O diretor já presenteou o público com obras marcantes como Taxi Driver, Touro Indomável, Cabo do Medo, Os Infiltrados e vários outros filmes, porém mostra que a experiência só o faz aprimorar o seu talento.

Assassinos da Lua das Flores tem potencial para balançar a próxima temporada de premiações, com destaque para a performance de Lily Gladstone e a direção de Scorsese, que ao lado de Steven Spielberg (Os Fabelmans), se mostra um dos maiores diretores vivos em ação e que continuam produzindo obras espetaculares.

O filme é baseado no livro Assassinos da Lua das Flores: Petróleo, morte e a origem do FBI, de David Grann. No Brasil, o título foi publicado pela editora Companhia das Letras, com tradução de Donaldson M. Garschagen e Renata Guerra. Compre aqui.