Reino Animal

Anestesiante do começo ao fim. É assim que podemos definir Reino Animal. O filme é uma releitura completa do gênero “filmes de ação”. O Thriller aqui é visto sob uma ótica muito diferente, introspectiva, angustiante, quase que se dando por completo em primeira pessoa. Dada a natureza extremamente introspectiva do personagem principal, toda a tensão do filmes não é expressa, mas sim impressa. Não existe o momento em eu o personagem se revolta, quebra coisas, grita com pessoas. Não, o sofrimento é interno e a tensão é constante. Toda a sutileza do filme chega a ser angustiante.
Reino Animal narra a história de Josh Cody ‘J’, que perdido, ao presenciar sua mãe morrer de overdose não vê outra saída a não ser recorrer à sua avó e os parentes de quem sua mãe lhe manteve afastado durante toda a sua adolescência. Acontece que sua mãe tinha razão ao fazê-lo, pois logo de cara vemos que além de comporem uma grande máfia, todos eles são doentios de alguma forma. O filme é baseado em um fato real, ocorrido em Melbourne, chamado “O tiroteio da Walsh Street”, envolvendo a morte de dois policiais australianos por essa máfia. Reino Animal levou o grande prémio de filme estrangeiro do júri do Sundance.
Um filme de ação venceu o sundance? Sim. E não é estranho, exatamente por causa desse outro olhar dado à trama por David Michôd. Particularmente também não sou muito chegando a filmes de ação, mas Reino Animal é muito mais que isso, é um olhar para dentro da alma de quem é carregado pela vida sem nem ao menos ter a chance de se abster dos acontecimentos. E tudo funciona como um canalizador para as emoções do público: a trilha sonora e como ela conduz as cenas sem nenhuma fala, como ela permeia as incríveis cenas de perseguição e de assassinato, e como que ao invés de provocar adrenalina, causa desconsolo e desolação. O conjunto da obra é simplesmente devastador.
Assim que ‘J’ chega à casa de sua avó logo conhecemos os problemáticos personagens do filme: Barry Brown, que parece uma espécie de grande amigo da família; Craig Cody o viciado em cocaína e traficante de drogas; e Darren Cody, o mais novo que parece seguir o mesmo caminho do resto. Mas nas cenas o ambiente, em nada, parece hostil, muito pelo contrário, faz o espectador durante boa parte do filme torcer pelos bandidos. Isso até a chegada de seu tio mais velho Andrew Cody ‘Pope’, que junto com Barry parece formar uma quadrilha de assalto à bancos; o personagem é interpretado com maestria por Ben Mendelsohn, e parece ter sérios problemas mentais, devido aos seus impulsos assustadores. Destaque também para a vovó interpretada por Jacki Weaver (que lhe garantiu a indicação ao Globo de Ouro), que num misto de sinismo e sangue frio tem uma atitude durante o filme de causar espanto e arrepios.
Um pouco depois de ser recebido pela família tão acolhedora ‘J’ decobre que eles estão sendo seguidos pela polícia e que o cerco está se fechando para o lado deles. Apesar de ter todo um contexto o filme não foca no que é de grande dimensão, mas sim no indivíduo e como cada um deles se comporta nessa situação de desespero. Grande destaque para a brilhante atuação do novato James Frecheville na pele do personagem principal (injustamente não indicado ao Globo de Ouro), que sofre um impacto tão grande no decorrer dos acontecimentos, que não tem outra atitude a não ser ficar passado durante toda a história (levando o público a mesma sensação). Parece que ele vai fazendo as coisas sem refletir no que está fazendo, agindo por coação ou por angústia, enfim… Sendo levado pela correnteza.
O filme que poderia tranquilamente chamar-se “Seleção Natural”, pois é a mais pura prática das leis de Darwin, mostrando que em um ambiente hostil como esse os fracos não tem a mínima chance. ‘J’ aprende a duras perdas qual é a lição do Jogo. Reino Animal, que também conta com a participação de Guy Pearce, é um filme para se ver não gritando, mas sim roendo as unhas e se chocando a cada acontecimento. Sem dúvida alguma merece 5 caipirinhas.
Direção e Roteiro: David Michôd
Elenco: James Frecheville
Ben Mendelsohn
Jacki Weaver
Luke Ford
Sullivan Stapleton
Joel Edgerton
e Guy Pearce
Ano: 2010
Duração: 1h e 52 min