Constantemente uso a expressão “soco no estômago” para descrever um filme que incomoda. Mas ela nunca é literal. 12 Anos de Escravidão é um soco literal no estômago.
Em vários momentos da obra tive efetivamente vontade de vomitar, e dormir logo após assisti-lo foi tarefa impossível. Steve McQueen nos dá uma cena brutal de açoitamento, mas muitos dos abusos são estampados de forma simbólicas (lindamente simbólicas, por sinal, o papel queimando lentamente é tão incrível). Mas é impossível ser minimamente sensível, assisti-lo, e não pensar no sofrimento que o ser humano já foi capaz e ainda é de causar ao outro. Todo aquele sofrimento me pesou tanto. E eu só assisti a isso, confortavelmente. O máximo de sofrimento físico que já enfrentei foi o medo de andar sozinha a alguns lugares pelo simples fato de ser mulher (o que já é horrível).
E o que mais me incomoda é saber que muitas pessoas assistirão ao filme e vão pensar “ufa, ainda bem que escravidão não existe mais”, e voltar pra casa e defender que bandidos sejam amarrados nus a postes e usar frases como “direitos humanos para humanos direitos”. Falar “o povo dos direitos humanos” como pejorativo. O que te torna diferente de um escravagista torturador ao achar que existem seres humanos que não merecem seus direitos básicos? Ao cometer um erro (por pior que o seja) uma pessoa deve perder seu “posto de ser humano” e ter seus direitos básicos privados ou ter menos direitos básicos que uma pessoa que não cometeu tais erros? Isso é subjugar seres humanos como mais valiosos do que outros e se você pensa assim, você é um escravagista, você é o Michael Fassbender.
Ainda existem povos que escravizam, incluindo crianças. No Brasil, inclusive. Ainda existem pessoas que acham que homossexuais, travestis e transexuais são inferiores e não merecem viver por isso. Ainda existem milhares de homens que agridem e matam sua companheira por não aceitar perde-la. Ainda existe quem acha um absurdo que a empregada doméstica cobre hora extra pra dormir no serviço. A escravidão ainda está em todo lugar, e tão brutal quanto no filme. E continuará existindo enquanto tivemos minimamente a mentalidade de que temos posse de algum ser humano, por qualquer motivo que seja.
12 Anos de Escravidão não é o meu favorito ao Oscar como cinema, como narrativa. Mas é o meu favorito em muitos anos como importância histórica e social. Ele é atual e é urgente. Assistam, e abram os olhos.
Clique aqui para ler a crítica de Eduardo Monteiro para 12 Anos de Escravidão
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